Preenchimento de vagas nos órgãos autárquicos Solicitação de parecer
Através de email, datado de 29.04.2024 da Assembleia Municipal de …, que mereceu na mesma data o registo de entrada nesta CCDR Algarve I.P., E03102-202404-AUT, é solicitado parecer sobre, em síntese, que legal e melhor prática deve ser seguida em caso de suspensão ou renúncia e substituição de mandato de um membro autárquico.
Refere a prática seguida por aquele órgão (Assembleia Municipal) em contraponto com o seguido pela Câmara Municipal de …, solicitando que se “…esclareça se um cidadão pode tomar posse num órgão autárquico sem que o cidadão que o antecede na lista tenha tomado posse, ou renunciado ao cargo…”
Ora vejamos:
As autarquias locais, tal como definidas pela Constituição da República Portuguesa (CRP), são pessoas coletivas de direito público de base territorial dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.[1]
Atualmente em Portugal, as autarquias locais existentes são os municípios e as freguesias.[2]
Cada autarquia possui o seu próprio quadro de atribuições, constituindo atribuições das autarquias locais[3] a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente nos domínios referidos no n.º 2 do art.º 7.º, e no n.º 2 do artigo n.º 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (RJAL).
No âmbito da autonomia administrativa, as autarquias locais atuam e decidem dentro dos limites da lei e das suas competências. A CRP estabelece expressamente que a organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita[4] dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial (cfr. n.º 3 do artigo 239.º da CRP) perante ela responsável[5].
Como é sabido, são órgãos representativos da freguesia a assembleia de freguesia como órgão deliberativo[6] e a junta de freguesia como órgão executivo[7], do mesmo modo os órgãos representativos do município são a assembleia municipal como órgão deliberativo[8] e a câmara municipal como órgão executivo[9] do município.
No exercício das suas competências os órgãos autárquicos encontram-se vinculados a todos os princípios atinentes à atividade administrativa, mormente os consignados nos artigos 3.º a 19.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo D.L. n.º 4/2015, de 7 de janeiro na sua versão atual.
De acordo com o princípio da independência, as deliberações dos órgãos das autarquias locais só podem ser suspensas, modificadas, revogadas ou anuladas pelo próprio órgão ou pelos tribunais nos termos da lei.
Os membros dos órgãos deliberativos e executivos das autarquias locais são também designados de eleitos locais, e o seu exercício denominado mandato autárquico.
Os membros dos órgãos das autarquias locais são titulares de um único mandato, em que a única exceção é o caso dos vogais da junta de freguesia, os quais são eleitos pelo órgão deliberativo da freguesia de entre os membros que a integram e mantêm o direito a retomar o seu mandato na assembleia de freguesia, se deixarem de integrar a junta de freguesia.
O mandato dos titulares dos órgãos das autarquias locais é de quatro anos de acordo com o n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 169/99.
Porém, o mandato autárquico pode sofrer de alguma vicissitude pela qual pode ser temporariamente suspenso ou cessar (morte, renúncia, perda de mandato, ou dissolução do órgão) e não durar os referidos quatro anos e/ou prolongar-se para além desse prazo, em funções, até o seu titular ser legalmente substituído.
AS VICISSITUDES DO MANDATO AUTÁRQUICO
Importa então proceder à análise de cada um dos institutos da renúncia, suspensão e substituição do membro eleito e respetiva praxis legal.
I
A renúncia ao mandato é uma das formas da cessação do mandato e é um direito de que gozam os titulares dos órgãos das autarquias locais.
A renúncia ao mandato depende da manifestação de vontade apresentada nesse sentido pelo eleito local, por escrito, quer antes quer depois da instalação do respetivo órgão, dirigida a quem deva proceder à instalação ou ao presidente do órgão, conforme o caso[10].
A sua substituição por renúncia, processa-se de acordo com os n.ºs 4 a 7 do artigo 76.º da Lei 169/99, de 18 de setembro na sua redação atual, e que se passa a transcrever:
Artigo 76.º
Renúncia ao mandato
1 - Os titulares dos órgãos das autarquias locais gozam do direito de renúncia ao respetivo mandato a exercer mediante manifestação de vontade apresentada, quer antes quer depois da instalação dos órgãos respetivos.
2 - A pretensão é apresentada por escrito e dirigida a quem deve proceder à instalação ou ao presidente do órgão, consoante o caso.
3 - A substituição do renunciante processa-se de acordo com o disposto no número seguinte.
4 - A convocação do membro substituto compete à entidade referida no n.º 2 e tem lugar no período que medeia entre a comunicação da renúncia e a primeira reunião que a seguir se realizar, salvo se a entrega do documento de renúncia coincidir com o acto de instalação ou reunião do órgão e estiver presente o respetivo substituto, situação em que, após a verificação da sua identidade e legitimidade, a substituição se opera de imediato, se o substituto a não recusar por escrito de acordo com o n.º 2.
5 - A falta de eleito local ao acto de instalação do órgão, não justificada por escrito no prazo de 30 dias ou considerada injustificada, equivale a renúncia, de pleno direito.
6 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente, nos seus exatos termos, à falta de substituto, devidamente convocado, ao acto de assunção de funções.
7 - A apreciação e a decisão sobre a justificação referida nos números anteriores cabem ao próprio órgão e devem ter lugar na primeira reunião que se seguir à apresentação tempestiva da mesma.
Decorre, assim, da conjugação dos n.ºs 4 a 7 deste normativo, que no caso de o eleito local não comparecer ao ato de instalação do respetivo órgão, ou posse no caso de substituição, no mandato e não justificar essa falta por escrito no prazo de 30 dias ou se a falta for considerada injustificada, tal equivale a renúncia “ope legis”
A apreciação e decisão sobre a justificação apresentada cabem ao próprio órgão que estiver em causa, que deverá ter lugar na primeira reunião que se seguir à apresentação tempestiva da mesma.
II
A suspensão do mandato.
Sobre esta epígrafe rege o artigo 77.º, o qual de dá por ora reproduzido:
Artigo 77.º
Suspensão do mandato
1 - Os membros dos órgãos das autarquias locais podem solicitar a suspensão do respetivo mandato.
2 - O pedido de suspensão, devidamente fundamentado, deve indicar o período de tempo abrangido e é enviado ao presidente e apreciado pelo plenário do órgão na reunião imediata à sua apresentação.
3 - São motivos de suspensão, designadamente:
a) Doença comprovada;
b) Exercício dos direitos de paternidade e maternidade;
c) Afastamento temporário da área da autarquia por período superior a 30 dias.
4 - A suspensão que, por uma só vez ou cumulativamente, ultrapasse 365 dias no decurso do mandato constitui, de pleno direito, renúncia ao mesmo, salvo se no primeiro dia útil seguinte ao termo daquele prazo o interessado manifestar, por escrito, a vontade de retomar funções.
5 - A pedido do interessado, devidamente fundamentado, o plenário do órgão pode autorizar a alteração do prazo pelo qual inicialmente foi concedida a suspensão do mandato, até ao limite estabelecido no número anterior.
6 - Enquanto durar a suspensão, os membros dos órgãos autárquicos são substituídos nos termos do artigo 79.º
7 - A convocação do membro substituto faz-se nos termos do n.º 4 do artigo 76.º
A suspensão do mandato é a figura jurídica que corresponde ao direito que assiste ao eleito local de, interrompendo o mandato, manter o vínculo latente, em caso de incompatibilidade ou imperativo legal ou por motivo pessoal relevante, podendo retomar o mandato quando aquela impossibilidade cessar.
A suspensão[11] do mandato do eleito autárquico, implica a expressa autorização do órgão de que faz parte.
O eleito local, para o efeito, deve apresentar o pedido de suspensão ao presidente do órgão, devidamente fundamentado com a indicação do período de suspensão pretendido, pedido este que deverá ser apreciado pelo plenário na reunião imediata à sua apresentação.
O plenário delibera, então, por conceder ou negar o pedido formulado pelo eleito local.
As causas de suspensão de mandato elencadas, de forma não taxativa pelo artigo 77.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, referem motivos de doença comprovada, exercício de direitos de paternidade e maternidade ou afastamento temporário da área da autarquia por um período superior a 30 dias.
De notar que, a suspensão que, por uma só vez ou cumulativamente, ultrapasse 365 dias no decurso do mandato constitui renúncia ao mesmo, salvo se no primeiro dia útil seguinte ao termo daquele prazo o interessado manifestar, por escrito, a vontade de retomar funções.
Ultrapassado o prazo máximo de suspensão considera-se que ocorreu renúncia “ope legis” ao mandato.
III
A ausência por período inferior a 30 dias.
A figura da ausência por período inferior a 30 dias, cujo regime se encontra previsto no artigo 78.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, permite aos membros dos órgãos das autarquias locais, caso o pretendam, fazerem-se substituir, sem necessidade de fundamentarem a sua pretensão ou aguardarem a autorização do respetivo órgão autárquico.
A substituição é uma faculdade legalmente conferida aos membros dos órgãos das autarquias locais e opera-se mediante a simples comunicação por escrito, dirigida ao presidente do órgão que integram, na qual são indicados o princípio e fim dessa ausência.
A convocação do substituto só ocorre se o membro do órgão (que quer ser substituído) comunicar atempadamente a sua intenção nesse sentido. Isto significa que essa substituição não se verifica em caso de falta (que, sendo o caso, deve seguir os termos que legal e regimentalmente estiver regulada a situação).
IV
Preenchimento de vagas:
O preenchimento das vagas decorrentes de morte, perda de mandato, renúncia, suspensão de mandato ou da substituição temporária do eleito local, obedece a um determinado procedimento consoante ser tratem de membros dos órgãos autárquicos eleitos diretamente ou se reportem aos membros eleitos indiretamente.
Para o que ora interessa, as vagas respeitantes a membros eleitos diretamente são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga[12].
Porém, como já houve oportunidade de se referir, a declaração de renúncia ao mandato está dependente da sua receção por quem proceda à instalação do órgão autárquico ou pelo presidente do mesmo, devendo cada um deles, consoante o caso, convocar o substituto, de acordo com a ordem indicada no artigo 79.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, para assumir funções na primeira reunião desse órgão, que se realizar após a data em que a renúncia for apresentada, salvo se, a entrega do documento de renúncia coincidir com o ato de instalação ou reunião do órgão e estiver presente o respetivo substituto, situação em que, após a verificação da sua identidade e legitimidade, a substituição se opera de imediato, se o substituto a não recusar por escrito.
Quanto ao pedido de suspensão do mandato, o mesmo carece de apreciação e só se torna eficaz após deliberação do respetivo órgão autárquico, sendo que, para a reunião onde vai ser apreciado esse pedido, deve ser convocado o cidadão seguinte de acordo com a ordem determinada do já mencionado artigo 79.º, bem como o membro do órgão que solicitou a suspensão do mandato.
V
Conclusão
Face aos institutos atrás descritos, os pedidos de substituição, suspensão e renúncia de mandato determinam regimes próprios para cada um.
E, portanto, o facto de um membro efetivo de um órgão colegial solicitar a sua substituição, suspensão ou renúncia ao mandato implica o desenvolvimento de processo ulterior distinto e próprio por parte do órgão a que pertence.
O mesmo se diga quando o cidadão substituto não possa tomar posse e tenha ou não a obrigação de fundamentar a sua ausência (num determinado prazo) ao ato de posse.
Em termos práticos, na primeira situação colocada pela entidade consulente, devemos notar que o cidadão n.º 2 nunca foi empossado no mandato pelo que não pode renunciar a uma condição que nunca adquiriu.
No segundo caso em que o membro eleito solicita a sua substituição e o substituto não comparece, salvo melhor opinião, pode seguir-lhe o cidadão imediato do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem.
É o que nos cumpre informar quanto ao solicitado.
[1] Conforme n.º 2 do artigo 235.º da CRP.
[2] Cfr. n.º 1 do artigo 236.º da CRP.
[3] Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro na sua versão atual, doravante designado por RJAL.
[4] Os órgãos deliberativos das autarquias locais (Assembleias) são eleitos por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na área da respetiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional (cfr. n.º 2 do artigo 239.º da CRP)
[5] Cfr. n.º 1 do artigo 239.º da CRP.
[6] Cfr. n.º 1 do artigo 6.º do RJAL. As competências e o modo de funcionamento da assembleia de freguesia estão regulados nos artigos 8.º a 14.º do RJAL.
[7] Cfr. n.º 2 do artigo 6.º do RJAL, sendo que as competências e o modo de funcionamento da junta de freguesia estão regulados nos artigos 15.º a 22.º deste RJAL.
[8] Cfr. n.º 1 do artigo 6.º do RJAL sendo que as competências e o modo de funcionamento da assembleia municipal estão regulados nos artigos 24.º a 31.º do mesmo.
[9] Cfr. n.º 2 do artigo 6.º do RJAL, sendo que as competências e o modo de funcionamento da câmara municipal estão regulados nos artigos 32.º a 34.º e 39.º a 41.º deste regime jurídico
[10] Cfr. n.º 1 e 2 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na sua versão atual.
[11] Matéria esta tratada no artigo 77.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na sua redação atual.
[12] Cfr. n.º 1 do artigo 79.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, por remissão, respetivamente, do n.º 1 do artigo 29.º, do n.º 1 do artigo 11.º, do n.º 1 do artigo 59.º e do n.º 1 do artigo 47.º do mesmo diploma.