Pedido de parecer - Atribuição de Prémio Municipal "…Criativo e Empreendedor"
O Senhor Presidente da Câmara Municipal de …, através do Ofício n.º 1386, de 24 de junho de 2022, vem solicitar parecer sobre a atribuição do prémio municipal “…Criativo e Empreendedor/2021”, no valor €2.500,00, cujo pagamento foi autorizado pela então Vice-Presidente da Câmara, S. ...., a empresa participante (T. …, Lda.) da qual era sócia e gerente (E04730-202206, de 11-07-2022).
No seguimento deste pedido, foram solicitados elementos considerados necessários, os quais foram apresentados através do Ofício n.º 2001, de 14 de julho de 2022, (E05277-202207, de 21-07-2022).
II - Documentos enviados:
Compulsada a informação em anexo aos ofícios mencionados, identificam-se os seguintes documentos:
- Normas e condições de acesso ao Prémio Municipal de Ideias de Negócio “… Criativo e Empreendedor”;
- Certidão permanente da firma T. …, Lda., N.º Contribuinte 515274895;
- Ordem de pagamento n.º 2651, de 30 de setembro de 2021, no valor de €2.500,00, a T. …, Lda., N.º Contribuinte ..., com rubrica aposta no lugar destinado ao Presidente do Órgão Executivo, sem identificação de nome;
- Documento da C. A., através do qual se identifica que A. é utilizador da empresa T. …, Lda.;
- Ata da reunião ordinária da Camara Municipal de … realizada em 12 de maio de 2020, ATA VII/2020, onde consta a aprovação, por maioria, da proposta n.º 9/2020 (anexo VII/21) relativa à aprovação das normas e condições de acesso ao Prémio Municipal de Ideias de Negócio “… Criativo e Empreendedor” (ponto 2.5. desta Ata). Nesta reunião esteve presente, conforme é mencionado nesta Ata, a vereadora A..
- Ata de reunião do júri, realizada em 25 de junho de 2021, sobre a atribuição deste prémio. Nesta ata identifica-se o júri, faz-se referência a duas candidaturas apresentadas, tendo sido considerada apenas a candidatura respeitante à empresa T. …, Lda., “uma vez que a outra candidatura dizia respeito a uma ideia de negócio a desenvolver no concelho de S..” Esta ata contém, ainda, a identificação do júri, tendo sido aposta assinatura abreviada no local destinado a cada um dos membros: R., Presidente da Câmara Municipal de …, A., Técnica superior e T.;
- Informação n.º 2477, de 22 de setembro de 2021, do Gabinete A.E.E./…- Invest /T., com proposta, no caso do prémio em análise, do pagamento do valor € 2.500,00 à empresa T. …, Lda. No campo destinado à decisão consta o seguinte despacho manuscrito: “Liquide-se de acordo com a informação técnica e Ata de reunião do Júri”. No local indicado “O Presidente da Câmara”, consta aposta uma rubrica, sem nome identificado, com data, igualmente manuscrita: “23/9/2021”;
Esta assinatura, tal como a que consta da Ordem de Pagamento n.º 2651, é atribuída à então Vice-Presidente desta Câmara Municipal, A., de acordo com o teor do Ofício n.º 1386, de 24 de junho de 2022, acima identificado.
Tendo em consideração a informação descrita, cumpre informar.
III - Análise:
Com base nos documentos enviados, não é possível identificar o(a) autor(a) da assinatura/rubrica, quer no despacho com data de 23 de setembro de 2021, que recaiu sobre a Informação n.º 2477, de 22 de setembro, quer na Ordem de Pagamento n.º 2651, de 30 de setembro de 2021.
No entanto, comprovando-se que a autora da autorização do pagamento do prémio é a premiada, tal como vem declarado no Ofício n.º 1386, de 24 de junho de 2022, a questão de direito subjacente ao problema jurídico apresentado respeita à aplicação do regime legal do impedimento.
Vejamos o quadro legal aplicável:
Em primeira linha, a Constituição consagra no n.º 2 do seu artigo 266.º o princípio da imparcialidade:
“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.
Por sua vez, o artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo, CPA, refere:
“A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”.
Em relação ao regime do impedimento, estabelece-se no n.º 1 do artigo 69.º do CPA, que os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos casos previstos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do mesmo artigo.
O caso previsto na alínea a) “Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”, corresponde ao problema jurídico suscitado no presente caso.
A intervenção em sede de procedimento administrativo de titular de órgão ou agente da Administração Pública, que vai ser direta e especificamente abrangido por ato de decisão, exige a respetiva apreciação em face do princípio da imparcialidade, porque integra a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do CPA, e exige, ainda, quando se verifique causa de impedimento, a apreciação da violação do dever de comunicar o facto, conforme previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPA.
Por outro lado, tratando-se de eleitos locais, membros de órgãos autárquicos, importa verificar, em especial, o cumprimento do respetivo Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho (redação atual).
De acordo com o artigo 4.º deste Estatuto, no exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento de princípios e deveres específicos, em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos, atuar com justiça e imparcialidade prosseguir o interesse público [1], em particular:
“iv) Não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;”
Pelo que, a intervenção em sede de procedimento administrativo que integra a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do CPA, em violação do dever de comunicar a causa de impedimento, incorre, igualmente, em violação do dever específico de função, de acordo com o artigo 4.º, alínea IV), do Estatuto dos Eleitos Locais.
Deste modo, verificando encontrar-se em circunstância que corresponde a esta causa de impedimento, a então Vice-Presidente deveria ter comunicado ao Presidente do respetivo órgão, especificando essas circunstâncias de facto e que, objetivamente, constituíam a sua causa de impedimento.
Porém, para a aplicação da lei, torna-se necessário, em cada caso, concluir sobre a existência dos pressupostos de facto, e neste caso, a apreciação de todas as etapas do procedimento, os agentes envolvidos, os comportamentos e os atos, que por ação ou omissão, foram praticados, o que implica proceder à procura, seleção e avaliação dos factos considerados relevantes no procedimento, de modo a concluir sobre a invalidade do(s) ato(s) praticados com ofensa à lei[2], sobre os efeitos decorrentes da violação dos deveres específicos da função[3], não só no caso da visada, mas por parte de outros agentes que participaram no procedimento, com conhecimento da causa de impedimento.
Torna-se necessário, por isso, promover o apuramento dos factos relevantes, mediante a investigação de todo o processo relacionado com atribuição deste prémio, e a sua consequente qualificação, atividade essa que requer um procedimento próprio e uma atuação de investigação competente.
De acordo com o artigo 2.º da Lei Orgânica da Inspeção-Geral de Finanças aprovada pelo Decreto-Lei n.º 96/2012, de 23 de abril (versão atualizada), a intervenção da IGF abrange todas as entidades do setor público administrativo, incluindo autarquias locais, entidades equiparadas e demais formas de organização territorial autárquica, tendo por missão assegurar o controlo estratégico da administração financeira do Estado, compreendendo o controlo da legalidade e a auditoria financeira e de gestão, bem como a avaliação de serviços e organismos, atividades e programas, e também a de prestar apoio técnico especializado.
Pelo que, considerando a natureza da matéria em análise, considera-se que o processo de atribuição Prémio Municipal de Ideias de Negócio “… Criativo e Empreendedor”, em 2021, deverá seja remetido à IGF para que esta entidade pondere e promova as formas de investigação que considerar adequadas sobre o assunto, no âmbito das suas atribuições relativas às autarquias locais.
IV - Conclusão - Proposta:
Com fundamento no exposto, considerando a natureza da matéria alegada e os titulares dos órgãos e agentes envolvidos, é de sugerir ao Senhor Presidente da Câmara … que realize a participação/comunicação dos factos à IGF.
[1] Nesse sentido, o AC. TCA Norte, de 05-03-2021, Processo: 01167/17.4BEBRG:”. Os eleitos locais, estando vinculados à prossecução do interesse público, deverão dar, do exercício das suas funções, uma imagem de objetividade, isenção, equidistância relativamente aos interesses em presença, de modo a projetar para o exterior um sentimento de confiança.”
[2] Sem prejuízo, ainda, no caso de pagamentos ilegais, poder o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infração, cf. os artigos 59.º, nº. 1 e 65.º, nº 1, alínea d), da Lei Organização e Processo no Tribunal de Contas, Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto (versão atualizada).
[3] No caso de trabalhadores abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada), v. artigo 185.º, “A sanção disciplinar de multa é aplicável a casos de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais, nomeadamente aos trabalhadores que: e) Não façam as comunicações de impedimentos e suspeições previstas no Código do Procedimento Administrativo.”