Lei n.º 69/2021. Acumulação de funções de Comissão de Serviço em Câmara Municipal e de Presidente de Junta em regime de meio tempo
Deu entrada nesta CCDR Algarve, email datado de 04.02.2022, da União de Freguesias … e que mereceu o registo n.º E01343-202202-AUT de 16.02.2022, sobre o assunto em epígrafe, em que é colocada a seguinte situação:
Um presidente de Junta, a cumprir à presente data o 3.º e último mandato, foi nomeado, em 2015, pelo Presidente da Câmara, Coordenador Municipal de Proteção Civil, função principal que exerce até hoje.
É questionado se é possível exercer funções a meio tempo como presidente de Junta de Freguesia ao abrigo da Lei n.º 69/2021, de 20.10.2022, e, em simultâneo, as funções de Coordenador Municipal de Proteção Civil no município?
Vejamos:
I
AS INELEGIBILIDADES
A Constituição da República Portuguesa (CRP) assegura a todos os cidadãos, em condições de igualdade e liberdade, o direito de participação na vida pública, o direito de sufrágio e o direito de acesso a cargos públicos de carácter eletivo.
A mesma admite que, no acesso a cargos eletivos, a lei estabeleça “as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos” – artigo 50.º n.º 3.
As inelegibilidades impossibilitam que determinados cidadãos se candidatem a determinados cargos públicos eletivos no sentido de garantir a dignificação e genuinidade do ato eleitoral e preservar a isenção, a independência e o prestígio desses cargos, bem como a imagem pública dos seus titulares, o que se traduz numa restrição à sua capacidade eleitoral passiva e ao direito fundamental de acesso a cargos públicos eletivos.
A Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais consagra alguns dos seus normativos às situações em que determinados cidadãos, por causa da função que exercem, não podem ser eleitos para as autarquias locais. Trata-se das designadas inelegibilidades, que se classificam em “gerais” e “especiais”. As gerais são aplicadas indistintamente a todos os titulares dos órgãos das autarquias locais do território nacional e as segundas derivam de alguma relação especial do eleito local com o círculo, a autarquia ou a área de jurisdição em que aquele se encontra inserido ou exerce funções.
A – São, assim, inelegíveis gerais para os órgãos das autarquias locais:
- O Presidente da República;
- O provedor de Justiça;
- Os Juízes do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas;
- O Procurador-Geral da República;
- Os magistrados judiciais e do Ministério Público;
- Os membros do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Comissão Nacional de Eleições e da Alta Autoridade para a Comunicação Social;
- Os militares e os agentes das forças militarizadas dos quadros permanentes, em serviço efetivo, bem como os agentes dos serviços e forças de segurança, enquanto prestarem serviço ativo;
- O inspetor-geral e os subinspetores-gerais de finanças, o inspetor-geral e os subinspetores –gerais da Administração do Território e o diretor-geral e os subinspetores-gerais do Tribunal de Contas;
- O secretário da Comissão Nacional de Eleições;
- O diretor-geral e os subdiretores-gerais do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral;
- O diretor-geral dos impostos;
- Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados;
- Os cidadãos eleitores estrangeiros que, em consequência de decisão de acordo com a lei do seu Estado de origem, tenham sido privados do direito de sufrágio ativo ou passivo.
B - Integram as inelegibilidades especiais para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição:
- Os diretores de finanças e chefes de repartição de finanças;
- Os secretários de justiça e administradores judiciários;
- Os ministros de qualquer religião ou culto;
- Os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se integrem.
- Os concessionários ou peticionários de concessão de serviços da autarquia respetiva;
- Os devedores em mora da autarquia local em causa e os respetivos fiadores;
- Os membros dos corpos sociais e os gerentes de sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada.
C – Inelegibilidades supervenientes
Estes tipos de inelegibilidades podem ocorrer depois de ser assumido o exercício das respetivas funções, quer por os membros dos órgãos autárquicos se colocarem numa das situações de inelegibilidade, quer sejam revelados dados que denotem que já existia (mas não tinha sido detetada antes da eleição) uma situação de inelegibilidade que ainda subsiste.
Em todo o caso, estas situações carecem de ser comprovadas judicialmente e que, a confirmarem-se, fazem incorrer os eleitos locais em perda de mandato conforme determina a alínea b) do n. º 1 do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa na sua versão atual – Lei n.º 27/98, de 01 de agosto.
II
OS IMPEDIMENTOS
O princípio da imparcialidade consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da CRP estabelece que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”.
A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse direto ou indireto (cf. CPA, artigos 9.º e 69.º).
A imparcialidade não se reconduz à imparcialidade pessoal e individual mas também é exigível à imparcialidade orgânico-funcional, impedindo decisões em causas próprias, e uma imparcialidade procedimental conseguida através de um procedimento que, pela sua transparência, informação e igualdade de oportunidades, possibilite um tratamento e obtenção de informação e uma apreciação de provas, típico de um procedimento equitativo ao «mais alto nível».
Os impedimentos são qualidades concretas em que estão ou não investidas certas entidades individuais e que as inibem de intervir em certos procedimentos sob pena de a decisão final ficar inquinada de um vício de ilegalidade. Naturalmente que os impedimentos abrangem pessoas singulares como titulares de órgãos da Administração Pública e respetivos agentes, bem como titulares de órgãos e agentes de outras entidades coletivas, públicas ou privadas – estas desde que no exercício de poderes públicos – que vejam a sua capacidade procedimental tolhida pelos mesmos impedimentos.
Os impedimentos legais são taxativos e melhor constam do articulado do artigo 69.º do CPA.
III
INCOMPATIBILIDADES
Desde logo o artigo 117.º da CRP, no seu n.º 2, veio impor ao legislador o estabelecimento e a conformação de um estatuto próprio e exclusivo dos titulares de cargos políticos, que defina e regule os respetivos direitos, regalias e imunidades e, bem assim, os seus deveres, responsabilidades e incompatibilidades e as consequências do seu incumprimento.
A disciplina das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos foi objeto de significativas alterações, desde os primórdios da sua consagração, através da Lei n.º 9/90, de 1 de março, constando atualmente da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que revogou a Lei n.º 64/93, de 26 de agosto.
Uma análise perfunctória, permite detetar uma ampliação do âmbito objetivo e subjetivo dos impedimentos e incompatibilidades, relativamente ao diploma anterior.
Com efeito, esta nova lei veio incluir no seu âmbito de aplicação, novas entidades situadas na esfera do poder regional e local, seus cônjuges ou unidos de facto e respetivas sociedades, e ainda as sociedades profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais e, bem assim, estabelecer novos condicionalismos materiais, na verificação de impedimentos.
Note-se que, para o que interessa, a alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, são cargos políticos para efeitos desta lei “Os membros dos órgãos executivos do poder local”, acrescentando a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º que “Os titulares dos órgãos executivos das freguesias em regime de meio tempo ou em regime de não permanência” para além do respetivo cargo, podem exercer outras atividades, devendo declará-las nos termos da lei.
Por outro lado, se atentarmos à letra do artigo 221.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que sobre a epígrafe “Incompatibilidades com o exercício do mandato” dispõe o n.º 1 alínea a) que: “1- É incompatível, dentro da área do mesmo município, o exercício simultâneo de funções autárquicas nos seguintes órgãos:
- Câmara Municipal e junta de freguesia
- …
- …”
Uma leitura apressada poderia levar-nos a concluir pela incompatibilidade do exercício em simultâneo dos dois cargos de presidente de junta e coordenador municipal de proteção civil, o que salvo melhor opinião não é correto, porquanto o exercício do cargo de presidente da junta decorre de um mandato eletivo, e as funções de coordenador municipal de proteção civil decorre de um ato de nomeação do presidente da câmara para serviço que não integra o órgão executivo – Câmara Municipal.
Recorde-se que são órgãos das autarquias locais no que concerne às freguesias, a assembleia de freguesia como órgão consultivo e a junta de freguesia como órgão executivo e ao nível do município , a assembleia municipal como órgão deliberativo e a câmara municipal como órgão executivo.
A Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro, define o enquadramento institucional e operacional da proteção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de proteção civil e determina as competências do comandante operacional municipal.
Nos termos do seu artigo 14.º-A, em cada município há um coordenador municipal de proteção civil designado em comissão de serviço, pelo período de três anos, pelo presidente da câmara municipal e dele dependente hierárquica e funcionalmente, designação esta que ocorre de entre indivíduos, com ou sem relação jurídica de emprego público, que possuam licenciatura e experiência funcional adequadas ao exercício daquelas funções.
Compete ao coordenador municipal de proteção civil nos termos do artigo 15.º-A, n.ºs 1 e 2 o seguinte:
“a) Dirigir o SMPC;
b) Acompanhar permanentemente e apoiar as operações de proteção e socorro que ocorram na área do concelho;
c) Promover a elaboração dos planos prévios de intervenção com vista à articulação de meios face a cenários previsíveis;
d) Promover reuniões periódicas de trabalho sobre matérias de proteção e socorro;
e) Dar parecer sobre os materiais e equipamentos mais adequados à intervenção operacional no respetivo município;
f) Comparecer no local das ocorrências sempre que as circunstâncias o aconselhem;
g) Convocar e coordenar o CCOM, nos termos previstos no SIOPS.
2 - Sem prejuízo da dependência hierárquica e funcional do presidente da câmara, o coordenador municipal de proteção civil mantém uma permanente articulação com o comandante operacional previsto no SIOPS.”
Em conclusão:
1 – Não se vislumbra incompatibilidade no exercício acumulado de funções de coordenador municipal de proteção civil e o exercício das funções de presidente de junta de freguesia;
2 – Também não se vislumbram ilegibilidades e impedimentos no desempenho das funções atrás referidas.
É o que nos cumpre informar sobre o solicitado.