Estado de Emergência - Teletrabalho - Subsídio de Refeição

I – O PEDIDO

A União das Freguesias de …, através do correio eletrónico de 15-02-2021, registado com a referência E01197-202102-AUT, solicitou parecer, conforme se transcreve:

“A União das Freguesias de …, em virtude do estado de emergência decretado em março de 2020, que veio requerer o encerramento de muitos serviços, decretou que alguns dos seus funcionários ficassem em casa, em isolamento, sem exercer qualquer tipo de trabalho, visto que as funções que desempenham não podem ser exercidas fora do seu local de trabalho, em regime de teletrabalho, tendo-lhes sido pago o ordenado na totalidade.

No entanto, é nosso entendimento que a atribuição do subsídio de refeição, tal como se refere no Decreto-Lei n.º 57-B/84 pressupõe a prestação efetiva de trabalho, pelo que este beneficio social apenas foi pago aos funcionários que estiveram a exercer funções no local ou a partir de casa (teletrabalho). Tomando por base aquilo o que é referido no Despacho n.º 2836-A/2020, de 2 de março, para os casos de isolamento profilático ou, de forma mais genérica, os casos de tolerância de ponte, consideramos que este subsidio não é devido aos trabalhadores que não exercerem qualquer função.

Contudo, existem funcionárias que tendo estado nesta situação, sem exercer qualquer tipo de funções, consideram que têm direito a este subsidio, pelo que vos perguntamos qual o entendimento que fazem deste assunto.”

II – QUADRO NORMATIVO

Diplomas e esclarecimentos aplicáveis:

- Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na versão atualizada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março;

- Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na versão atualizada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro;

- Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na versão dada pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro;

- Decreto-Lei n.º 57-B/84, de 20 de fevereiro, na versão atualizada pelo Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio, que estabelece o regime de subsídio de refeição dos Funcionários e Agentes da Administração Pública;

- Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril, na versão atualizada pelo Decreto-Lei n.º 135/2013, de 4 de outubro, que estabelece o regime jurídico da designação, competência e funcionamento das entidades que exercem o poder de autoridades de saúde;

- Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus COVID-19;

- Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que procede à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março;

- Despacho n.º 2836-A/2020, de 2 de março (DR n.º 43, II Série, de 2 de março de 2020), que ordena aos empregadores a elaboração de um plano de contingência alinhado com as orientações emanadas pela DGS, no âmbito da prevenção e controlo de infeções por novo Coronavírus (COVID-19);

- Orientação da DGS n.º 006/2020, de 26 de fevereiro de 2020, sobre “Infeção por SARS-CoV-2 (COVID-19): Procedimentos de prevenção, controlo e vigilância em empresas”;

- Esclarecimento da DGAL, de março de 2020, sobre a aplicabilidade do Despacho n.º 2836-A/2020 às autarquias locais;

- DGAEP - Questões Frequentes COVID 19.

III - O PARECER

Às normas relativas ao “teletrabalho” estabelecidas pelos artigos 165.º e seguintes do CT, aplicáveis ex vi aos trabalhadores da Administração Pública por força do art.º 68.º da LGTFP, acresceram, por força das medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus COVID-19, novas regras excecionais.

De entre elas, ressaltam:

  1. A determinação unilateral, pelo empregador (ou requerida pelo trabalhador), pela prestação subordinada de teletrabalho, sem necessidade de acordo das partes, desde que compatível com as funções exercidas (art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, revogado pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 24-A/2020, de 29 de maio);
  2. A obrigatoriedade da adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam (art.º 6.º Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março).

Não constando as funções exercidas pelas juntas de freguesia da lista de atividades suspensas por força do encerramento de instalações e estabelecimentos referidos no anexo I do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, cabe à entidade empregadora a determinação da atividade poder ou não ser exercida em teletrabalho ou por recurso a outros mecanismos alternativos de prestação de trabalho (salienta-se que o art.º 35.º-H do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, foi aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio). E assim fez a UFF, decretando que “alguns dos seus funcionários ficassem em casa, em isolamento”.

Independentemente de não lhes ter sido distribuído qualquer tarefa, estes trabalhadores estão em casa em cumprimento de “ordem dada” da entidade empregadora e, dentro dos respetivos horários, disponíveis para cumprimento das ordens legítimas que recebessem.

E nestas circunstâncias, cumprem os requisitos da atribuição do subsídio de refeição estabelecidos pelo n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 57-B/84, de 20 de fevereiro: (i) a prestação diária de serviço e (ii) o cumprimento de, pelo menos, metade da duração diária normal do trabalho.

O que quer que se entenda por “prestação efetiva do trabalho”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 72.º da LGTFP, é proibido ao empregador público obstar, injustificadamente, à prestação efetiva do trabalho.

E se, no caso em apreço, o empregador público tinha justificação para obstar à prestação efetiva do trabalho, não pode deixar de, nessa sequência, assumir as responsabilidades daí inerentes.

Acresce que as situações, ainda que não taxativas, das quais decorre que o trabalhador não tem direito à atribuição do subsídio de refeição (n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 57-B/84, de 20 de fevereiro) têm todas causas imputáveis ao trabalhador (faltas ou licenças).

Invoca a UFF, ao considerar que não é devido o pagamento do subsídio, a aplicabilidade subsidiária do regime do isolamento profilático decorrente do Despacho 2836-A/2020 ou, de forma mais genérica, os casos de - tolerância de ponto.

Porém, pode a UFF aplicar analogicamente estes regimes? A resposta é, obviamente, que não. Vejamos:

- Quanto à “tolerância de ponto”, esta figura insere-se nos legalmente designados “tempos de não trabalho” (art.º 122.º da LGTFP) e é considerada uma falta autorizada [alínea e) do n.º 2 do art.º 255.º do CT];

- Quanto ao isolamento profilático, para além da competência para a sua declaração ser das autoridades de saúde e não da entidade empregadora (art.º 5.º do 82/2009, de 2 de abril), no âmbito das medidas excecionais, as situações de isolamento profilático declaradas pelas autoridades de saúde só dão lugar a faltas justificas quando não seja possível assegurar o recurso a mecanismos alternativos de prestação de trabalho, nomeadamente o teletrabalho ou programas de formação à distância. No caso concreto, não existindo declaração de isolamento profilático válido, não pode ser aplicado o seu regime analogicamente, ferindo-se, assim, os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade (artigos 3.º, 4.º e 7.º do CPA).

IV – CONCLUSÃO                               

Face ao exposto, considerando que:

  1. Foi a entidade empregadora que ordenou que os(as) trabalhadores(as) permanecem em casa;
  2. Os(As) trabalhadores(as), independentemente de não lhes ter sido distribuído qualquer tarefa, estão em casa em cumprimento de “ordem dada” da entidade empregadora e disponíveis, dentro dos respetivos horários, para cumprimento das ordens legítimas que recebessem;
  3. Aos trabalhadores(as) não lhes são imputáveis qualquer falta ou licença;
  4. Ainda que ordem dada pela entidade empregadora, a qual obsta à prestação efetiva do trabalho, esteja devidamente justificada, a mesma não se inclui nos “tempos de não trabalho” [alínea b) do n.º 1 do art.º 72.º e art.º 122.º, ambos da LGTFP);
  5. A entidade empregadora não pode aplicar o regime do isolamento profilático não declarado por entidade competente, sendo esse ato inválido por “usurpação de poder” e violador dos os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade (artigos 3.º, 4.º e 7.º do CPA);

Conclui-se que o pagamento do subsídio de refeição aos(às) trabalhadores(as) em apreço é devido e deve ser pago pela entidade empregadora.

Tratando-se de matéria que deve ser de aplicação geral e uniforme, proponho que, para além de se remeter o parecer à …, seja colocada a questão na próxima reunião de coordenação jurídica “DGAL/CCDRs” para efeitos de emissão de SIU – Solução Interpretativa Uniforme.

À consideração superior,

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/007