Pedido de parecer - Trabalho suplementar e a ultrapassagem dos 60% da remuneração base do trabalhador

A Senhora Vereadora do Pelouro dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de …, no âmbito dos poderes que lhe foram delegados, através do Ofício referência S-CMA/2022/16481, de 19 de outubro de 2022, vem solicitar parecer jurídico sobre a seguinte questão:

 

“O trabalho suplementar inserido individualmente, em cada mês, não ultrapassaria o limite, poder-se-á efetuar o pagamento de trabalho suplementar, mesmo que este exceda 60% da remuneração base do trabalhador, por se reportar a vários meses?”

 

II - Análise:

 

Tendo em conta a situação concreta, descrita no presente pedido, verifica-se que um trabalhador realizou trabalho suplementar nos meses de janeiro e fevereiro de 2022, cujo pagamento foi processado no mês de março de 2022.

 

O sistema de gestão das remunerações utilizado, tendo predefinido o valor máximo correspondente ao limite remuneratório previsto no n.º 3 do artigo 120.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP[1], de modo a não exceder 60% da remuneração base do trabalhador, não permitiu o pagamento da totalidade das horas realizadas nos dois meses, sendo por essa razão que é solicitado parecer.

 

No que importa para resolver a questão, sem prejuízo da verificação do quadro legal de referência[2], torna-se necessário destacar as condições legais que estão diretamente relacionadas com a questão colocada, começando por identificar os limites máximos de duração do trabalho suplementar:

 

O trabalho suplementar fica sujeito, por trabalhador, a limites, previstos nas alíneas a) a d) do n. º 2 do artigo 120.º da LGTFP:

 

“a) 150 horas de trabalho por ano;

b) Duas horas por dia normal de trabalho;

c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;

d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.”

 

O limite máximo a que se refere a alínea a) do n.º 2 pode ser aumentado até 200 horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo.

 

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 120.º refere que os limites (temporais) fixados no número anterior, alíneas a) a d) do n.º 2, podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador (limite remuneratório), nos casos indicados nas alíneas a) e b) do mesmo n.º 3:

 

“a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;

 

b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência.”

 

De seguida, vejamos a atribuição do acréscimo remuneratório:

 

A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 162.º da LGTFP:

 

  1. 25% da remuneração, na primeira hora ou fração desta;
  2. 37,5% da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.

 

O trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar e em dia feriado confere o direito a um acréscimo de 50% da remuneração por cada hora de trabalho efetuado, previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

 

Nos termos do n.º 3 do artigo 162.º da LGTFP a compensação horária, incluindo as situações de fração de hora, é apurada segundo a fórmula prevista no artigo 155.º da LGTFP:

 

“1-O valor da hora normal de trabalho é calculado através da fórmula (RB x 12) / (52 x N), em que RB é a remuneração base mensal e N o número de horas da normal duração semanal do trabalho.

 

2-A fórmula referida no número anterior serve de base de cálculo da remuneração correspondente a qualquer outra fração de tempo de trabalho inferior ao período de trabalho diário.”

 

Com base no quadro legal exposto, é possível identificar que o limite (remuneratório) fixado no n.º 3 do artigo 120.º da LGTFP, assim como o cálculo do valor hora, tem por referência a remuneração base do trabalhador, que é o montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na categoria de que é titular (ou do cargo exercido em comissão de serviço), conforme vem definido no n.º 1 do artigo 150.º da LGTFP[3].

 

Ora, em matéria do direito à remuneração, a LGTFP consagra no seu artigo 145.º, nº. 2, que a remuneração, quando seja periódica, é paga mensalmente.

E assim sendo, o acréscimo remuneratório devido por prestação de trabalho suplementar é calculado com base na retribuição base, e acresce, no mês em que se verifica, à remuneração principal[4], razão pela qual, está sujeito ao pagamento de IRS.

 

Desta forma, as remunerações acessórias, quando preencham as condições previstas na al. b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, configuram rendimento do trabalho dependente (sejam auferidas em função da prestação de trabalho ou em conexão com esta, constituam para o beneficiário uma vantagem económica).

 

Deste modo, considera-se remuneração mensal o montante pago a título de remuneração fixa, acrescido de quaisquer outras importâncias que tenham a natureza de rendimentos de trabalho dependente, tal como são definidos no artigo 2.º do Código do IRS.

 

Concluindo-se, nestes termos, que as entidades empregadoras que paguem rendimentos de trabalho dependente são obrigadas à retenção do IRS sobre as remunerações mensalmente pagas ou postas à disposição dos seus titulares, através da aplicação das taxas que lhes correspondam, constantes da respetiva tabela.

 

Sendo, igualmente, relevante para a questão colocada, o disposto no n.º 8 do artigo 99.º - C do Código do IRS[5]:

 

“8 - Quando for paga remuneração relativa a trabalho suplementar, a taxa de retenção a aplicar é a que corresponder à remuneração mensal do trabalho dependente referente ao mês em que aquela é paga ou colocada à disposição.”

 

Em suma, ressalta do quadro legal exposto, a condição ou regra de remuneração mensal, por mês.

 

O que, acrescenta-se por último, as próprias regras de assiduidade e do seu registo reforçam, porquanto a realização do trabalho deve obedecer a formas de registo, com a discriminação do mês, dia, local, número de horas prestadas, início e termo do trabalho, entre outros elementos[6].

 

Com base nas condições legais expostas, supondo que no caso em apreço todas foram cumpridas, tendo-se concluído, no mês da prestação do trabalho, que não é devido acréscimo remuneratório superior a 60 % da remuneração base do trabalhador, o seu pagamento deverá ser realizado.

 

III-Conclusão-Proposta:

 

Com fundamento no exposto, desde que verificadas as condições legais que permitem a prestação do trabalho suplementar e a sua compensação, conclui-se que a questão colocada se reconduz ao modo como as horas foram submetidas/inseridas na ferramenta informática de gestão vencimentos;

 

Assim, no caso de ser necessário inserir horas respeitantes a mais que um mês, sugere-se que o pagamento seja efetuado em separado, por mês.

 

[1] Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (redação atualizada).

 

[2]Nomeadamente quanto ao cumprimento do disposto nos artigos 226.º, 227.º do Código do Trabalho e 162.º da LGTFP.

 

 

[3]Pago em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei, cf. n.º 2 do mesmo artigo 150.º.

 

[4]A base de cálculo de prestação complementar ou acessória, no âmbito da aplicação do Código de Trabalho, é constituída pela retribuição base, conforme dispõe o seu artigo 262.º.

 

[5] Aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

[6] O artigo 121.º da LGTFP, prevê um modelo específico de registo, exigindo ao empregador público que possua e mantenha durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efetuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas e a indicação do dia em que gozaram o respetivo descanso compensatório, para efeitos de fiscalização pela Inspeção Geral das Finanças ou por outro serviço de inspeção legalmente competente. Este modelo é disponibilizado pela DGAEP na sua página oficial, em Formulários Técnicos - Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho.

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/031