Pedido de parecer - Assembleia de Freguesia ….

I - O pedido:

 

O Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …, através de email de 20 de julho de 2023, vem solicitar parecer sobre as seguintes questões:

 

1.º - Numa Assembleia de Freguesia um elemento que esteja como Membro da Assembleia eleito por um partido e queira passar para o público e continuar a questionar o Executivo é permitido? Se não, qual a lei onde consta tal?

 

2.º - É permitido a um elemento que esteja na Bancada abandonar a Assembleia antes do seu término sem dar qualquer tipo de explicação? No caso de existir punição, qual será?

 

3.º - Estas Assembleias de Freguesia são gravadas em áudio com o objetivo de ajudarem na execução da Ata. E isto está escrito no regimento, no entanto se existir por parte de algum elemento das bancadas, público que assistiu (e interveio) ou do Ministério Público um pedido para aceder à gravação, poderá a mesma ser cedida?”

 

II - Análise:

 

A atuação dos órgãos das autarquias locais encontra-se subordinada à prossecução de interesses próprios das populações respetivas, nos termos do n.º 2 do artigo 235.º da Constituição da República Portuguesa.

 

Deste modo, para o exercício das suas competências, enquanto órgãos de pessoas coletivas públicas, encontram-se sujeitos aos princípios gerais da atividade administrativa, consagrados nos artigos 3.º a 19.º do Código de Procedimento Administrativo, CPA, destacando-se, nos termos do artigo 266.º da Constituição, os princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade e da boa-fé.

 

Estes princípios consubstanciam, sem prejuízo dos deveres específicos da função, a seguir identificados, o quadro dos valores fundamentais de comportamento aplicáveis à atuação dos órgãos autárquicos e respetivos titulares.

 

E assim, a violação de qualquer um dos princípios da atividade administrativa acarreta consequências, consoante a situação concreta: a invalidade dos atos praticados com ofensa à lei, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e criminal[1].

 

Por sua vez, em especial, os titulares dos órgãos autárquicos, no desempenho do respetivo mandato, estão sujeitos a princípios de atuação em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos e de prossecução do interesse público, bem como em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares, que configura o dever de participar nas reuniões.

 

Tais princípios e deveres constam do artigo 4.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (versão atualizada), que aprovou o Regime Jurídico das Autarquias Locais.

 

  1. Sobre o dever de participar nas reuniões:

 

Nos termos do referido artigo 4.º, alínea c), subalínea i), verifica-se, pois, um especial dever em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares:

“i) Participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos;”

 

Por sua vez, o artigo 10.º do Regimento desta Assembleia de Freguesia[2], fixou aos seus membros, nesta matéria, determinados deveres de atuação:

 

“a. Comparecer, assinar as listas de presença e permanecer nas respetivas sessões de Assembleia e das comissões para que foram eleitos ou designados;

b. Justificar as faltas que deem às sessões da assembleia e às reuniões das comissões a que pretendem, nos termos da lei;

c. Desempenhar conscienciosamente as tarefas que lhe forem confiadas e assumir e desempenhar cabalmente os cargos para que foram eleitos ou designados, salvo escusa devidamente fundamentada;

d. Participar nas discussões e votações se, por lei, para tal não estiverem impedidos;

e. Respeitar a dignidade da Assembleia e a dignidade dos seus membros;

f. Observar a ordem e a disciplina fixadas no regimento e acatar a autoridade do Presidente da Mesa;

g. Contribuir, pela sua diligência, para eficácia e prestígio dos trabalhos da Assembleia de freguesia, e em geral, para a observância e cumprimento da constituição, das leis e regulamentos

  1. Manter um contacto estreito com as populações da Freguesia”.

 

Assim, resulta do quadro legal exposto que sobre os membros da assembleia recai o dever de comparecer às reuniões, nas quais deverão permanecer, para participar nas discussões e votações, tendo subjacente o cumprimento das funções para as quais foram eleitos.

 

Com base neste conjunto de deveres e princípios, conclui-se que o dever de participar não se subsume a assinar a lista de presença em reunião ordinária ou extraordinária, implica permanecer nessa reunião, participar na discussão e na votação, porque o próprio funcionamento do órgão assim o exige (artigos 11.º e 13.º da Lei 75/2013; artigos 19.º e 20.º do Regimento da Assembleia de Freguesia em análise).

 

Significa, portanto, que caso o membro da assembleia se encontre presente numa reunião é obrigado a votar as deliberações postas a votação.

 

Verificando-se que não permaneceu na reunião, incorre em falta, cabendo ao órgão decidir sobre o mérito da justificação ou não que esse membro entenda apresentar, sendo da competência do presidente da assembleia, de acordo com o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 75/2013, comunicar ao Ministério Público as faltas injustificadas dos membros da assembleia de freguesia e da junta de freguesia, quando em número relevante para efeitos legais[3];

 

Neste sentido, sobre a questão da não participação e as suas consequências, foi formulada uma Solução Interpretativa Uniforme[4], homologada por despacho de 15-12-2000, cujo conteúdo, para dar resposta ao questionado, cumpre transcrever:

 

Deveres dos eleitos locais. Dever de participação nas reuniões. A figura da não participação.

 

a) Nos termos do Estatuto dos Eleitos Locais, estes, no exercício das suas funções autárquicas, estão vinculados ao cumprimento de determinados deveres, de entre os quais se destaca, em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares, o de “participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos” (Lei n.º 29/87, de 30 de março, artigo 4.º, n.º 3, alínea a)).

Esta formulação inclui quer o dever de comparecer, quer o de votar nas reuniões.

b) Em face da formulação legal adotada, conclui-se que: i) Se o eleito local se encontra presente numa reunião, é obrigado a votar as deliberações postas a votação; ii) Se não vota é-lhe marcada uma falta; iii) Mediante uma falta poderá o eleito ter a iniciativa de a justificar, cabendo ao órgão decidir sobre o mérito desta. c) Estando o eleito local presente a uma reunião, é obrigado a votar, tendo de o fazer através de uma das formas determinadas por lei: “voto a favor”, “voto contra”, sendo ainda admissível, no âmbito do poder local, a “abstenção”.

d) Na lei apenas se admite, com caráter de exceção, um motivo justificativo da não votação: encontrar-se ou considerar-se o autarca impedido ou sobre ele recair suspeição (nos termos do artigo 44.º e seguintes do CPA e do n.º 6 do artigo 90.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro).”

 

Sublinha-se, ainda, que a participação dos eleitos locais nas reuniões dos respetivos órgãos, além de obrigar permanecer e votar, sob pena de falta, é feita exclusivamente nessa qualidade, em conformidade com a Solução Interpretativa Uniforme, homologada por despacho 18-08-2006[5]:

 

Eleito local - Abandono da mesa para se manifestar como público.

 

a) Os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos deveres enunciados no artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais (Lei n.º 29/87, de 30 de junho), de entre os quais se destaca o de participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos (subalínea i) da alínea c)), nele se incluindo a obrigação de comparecer, permanecer e votar nas reuniões, salvo se houver motivo de impedimento ou suspeição.

b) A participação dos eleitos locais nas reuniões dos respetivos órgãos é feita exclusivamente nessa qualidade.”

 

  1. Sobre o acesso às gravações das reuniões:

 

Nesta matéria, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, tem-se pronunciado em vários pareceres[6], reafirmando em todos os casos o seu entendimento, conforme consta do Parecer n.º 73/2023 (Processo n.º 976/2022):

 

“(…) esta Comissão reafirmou aquela que tem sido a sua doutrina geral no que respeita a gravações das sessões dos órgãos colegiais das autarquias locais, considerando «que tais gravações constituem documentos administrativos, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1, a), da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [diploma que rege o acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos (doravante, LADA).

 

“(…) Feitas pela requerida, as gravações, ainda que se dirijam à preparação das atas futuras, não deixam de ser o “registo vivo” do que se passou na reunião e, por isso, documentos importantes na eventual correção de erros e melhor compreensão dos “fundamentos de decisões constantes nas atas”. Os órgãos municipais, nos termos da LAL, deverão lavrar ata por cada uma das suas reuniões, contendo “resumo do que de essencial se tiver passado...”, não lhes sendo imposto proceder as gravações ou a conservar os registos sonoros das reuniões. Contudo, ao fazer e conservar as gravações, a Administração está a atribuir-lhes a qualidade de documentos administrativos sujeitos ao regime de acesso nos termos gerais (…)

 

Efetivamente, o facto de as gravações serem elaboradas pelos serviços de apoio ao órgão administrativo e nos respetivos arquivos depositadas, vem depor no sentido de que estão indissociavelmente ligadas à atividade administrativa, seja ela ou não preparatória da elaboração da ata, uma vez que constituem, em si mesmas, registo histórico da referida reunião, com relevo autónomo. Constituem, pois, um elemento probatório de relevo que pode servir futuramente para demonstrar a inexatidão ou mesmo, em casos mais graves, a manipulação da ata. As gravações podem, pois, revestir, por isso, relevo para os membros do órgão ou para qualquer cidadão que pretenda fazer prova dessa inexatidão, manipulação ou qualquer outra vicissitude (…).

 

Haverá, naturalmente, que preservar, se existirem e dados pessoais que devam ser protegidos no quadro geral de proteção de dados pessoais e dados de outras matérias que sejam de acesso reservado ou restrito, no quadro das ponderações previstas no artigo 6.º, n.º 5 e seguintes, da LADA.”

 

Com base nesta análise, conclui a CADA que as gravações de reuniões da assembleia de freguesia elaboradas pelos serviços de apoio ao órgão administrativo e integradas nos respetivos arquivos são documentos administrativos, acessíveis no quadro da LADA.

 

  1. Sobre o pedido do Ministério Público:

 

Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática, nos termos do artigo 219.º da Constituição.

 

A sua estrutura orgânica, intervenção e funções constam do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/97, de 27 de agosto (versão atualizada).

 

De acordo com o seu artigo 5.º todas as entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar com o Ministério Público, facultando documentos e prestando as informações e os esclarecimentos solicitados de modo devidamente justificado em função da competência a exercer, nos limites da lei, sem prejuízo dos regimes de sigilo aplicáveis.

 

Mais dispõe o mesmo artigo, no seu n.º 2, que em caso de recusa ou de não prestação tempestiva ou injustificada de informações, o Ministério Público solicita ao tribunal competente para o julgamento da ação proposta ou a propor a adoção dos meios coercitivos adequados, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas na lei processual civil para as situações de recusa ilegítima de colaboração para a descoberta da verdade.

 

O Ministério Público pode, ainda, fixar por escrito prazo não inferior a 10 dias para a prestação da colaboração devida, e sendo esse o caso, o respetivo incumprimento faz incorrer na prática do crime de desobediência, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

 

III – Conclusões:

 

- Em resposta às duas primeiras questões, no seguimento das Soluções Interpretativas Uniformes identificadas, conclui-se que a participação dos eleitos locais nas reuniões dos respetivos órgãos, além de obrigar a permanecer e votar, sob pena de falta, é feita exclusivamente nessa qualidade;

 

- Quanto ao acesso à gravação das reuniões, face aos inúmeros pareceres da CADA sobre pedidos idênticos, conclui-se que as gravações de reuniões da assembleia de freguesia elaboradas pelos serviços de apoio ao órgão administrativo e integradas nos respetivos arquivos são documentos administrativos, acessíveis no quadro da LADA (preservando-se, se existir, a matéria de dados pessoais que devam ser protegidos no quadro geral de proteção de dados pessoais e no quadro das ponderações previstas no artigo 6.º, n.ºs 5 e 9, da LADA);

 

- Quanto ao pedido de acesso à gravação, no âmbito da intervenção dos órgãos ou magistrados do Ministério Público, dado o especial dever de colaboração e as suas consequências, alerta-se a entidade consulente para o disposto no artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público, concluindo-se que se encontra abrangida por este dever, devendo, por isso, promover o acesso à informação conforme lhe foi requerido.

 

 

[1]Nos termos da Lei Orgânica do Ministério das Finanças, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de dezembro, compete à IGF-Autoridade de Auditoria, realizar inspeções, inquéritos, sindicâncias e averiguações a quaisquer serviços públicos ou pessoas coletivas de direito público, incluindo os órgãos e serviços das autarquias locais, entidades equiparadas e outras formas de organização do poder autárquico, para avaliação da qualidade dos serviços, através da respetiva eficácia e eficiência, bem como desenvolver o procedimento disciplinar, quando for o caso, nas entidades abrangidas pela sua intervenção.

 

Por sua vez, as autarquias estão sujeitas à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas, cf. a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei Organização e Processo no Tribunal de Contas, Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (versão atualizada).

 

[2] Disponível para consulta através da internet, na página da entidade consulente.

[3] Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto (versão atualizada), incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que sem motivo justificativo não compareçam a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas.

 

[4] Disponível para consulta no Portal Autárquico - Coordenação Jurídica (dgal.gov.pt). A DGAL promove a realização de Reuniões de Coordenação Jurídica, para a análise de questões jurídicas e diplomas com relevância para a Administração Local. Após cada reunião, a DGAL formula Soluções Interpretativas Uniformes, as quais, depois de homologadas pelo membro do Governo que tutela as autarquias locais, são vinculativas para a DGAL, IGF e CCDR e objeto de publicitação no Portal Autárquico.

 

[5] Igualmente publicada e disponível para consulta no Portal Autárquico - Coordenação Jurídica (dgal.gov.pt).

[6] Pareceres n.º 368/2017, 221/2018, 39/2019, 46/2020, 123/2020, 175/2020, 251/2020, 111/2021, 253/2021, 352/2021, 359/2022, 44/2023 e 73/2023, disponíveis em www.cada.pt.

 

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/029