Pedido de parecer – Acumulação funções – Pessoal dirigente
I - O pedido:
Através do Ofício n.º 14272/23, de 04-10-2023, a Sra. Presidente da Câmara Municipal de … vem solicitar parecer sobre “um requerimento para acumulação de funções apresentado por um trabalhador deste Município, o qual se encontra nomeado em comissão de serviço como Diretor do Departamento de Obras e de Gestão de Equipamentos Públicos (…).
O trabalhador indica no seu requerimento que as funções que pretende desempenhar no domínio público, com carácter autónomo são: “Perito judicial” - Auxiliar o Tribunal, por meio da elaboração de pareceres técnicos, em relação à área de especialização requerida para o caso, a proferir sentenças e determinar ao andamento dos casos sob a sua análise, no Tribunal da Comarca de …”
Verificando-se que o pedido do Tribunal em causa não acompanhava o presente pedido de parecer, o mesmo foi solicitado através de email de 23-10-2023, de modo a identificar os termos em que a intervenção pericial foi determinada pelo Tribunal Judicial da Comarca de ….
II – Informação adicional:
Em resposta, através de email de 27-11-2023, foi remetido o Ofício n.º 16331/23, de 14-11-2023, da Sra. Presidente da Camara Municipal, com o seguinte esclarecimento:
(…) a acumulação de funções do trabalhador não dizia respeito a um ato isolado, mas a uma prestação de serviços continuada, eventualmente com integração em lista de peritos oficial. Mais se informa que, o trabalhador veio, posteriormente esclarecer que: “… estou na lista de peritos da Ordem dos Engenheiros, sendo esta entidade que também nomeia em função das necessidades dos tribunais. A prestação de serviços, apesar de contínua, só existirá no período em que seja nomeado, se e quando for nomeado. Acrescento finalmente que, nos termos do pedido de acumulação de funções, abdicarei da nomeação sempre que considere incompatível ou esteja em conflito com as minhas funções na CM.”
Face ao exposto, a entidade consulente solicita parecer sobre se estas funções “revestem a natureza de funções públicas ou se se pode considerar que as referidas funções têm natureza privada, mas de interesse público.”
III - Análise:
O requerente encontra-se nomeado em comissão de serviço em cargo dirigente da Câmara Municipal.
Os titulares dos cargos dirigentes estão sujeitos a um Estatuto próprio, o Estatuto do Pessoal Dirigente, EPD, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro (versão atualizada), que se aplica ao pessoal dirigente das câmaras municipais e dos serviços municipalizados, com as adaptações previstas na Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto (versão atualizada).
E assim, o exercício do cargo é feito, em regra, em regime de exclusividade, o que implica a incompatibilidade do cargo dirigente com quaisquer outras funções, públicas ou privadas, remuneradas ou não, conforme determina o artigo 16.º do EPD:
“Artigo 16.º
Exclusividade e acumulação de funções
1 - O exercício de cargos dirigentes é feito em regime de exclusividade, nos termos da lei.
2 - O regime de exclusividade implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras atividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, exercidas com carácter regular ou não, e independentemente da respetiva remuneração, sem prejuízo do disposto nos artigos 27.º a 29.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.”
Nestes termos, a solução da questão colocada fica resolvida com a aplicação deste regime, porque implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras atividades ou funções de natureza profissional, sejam públicas ou privadas, tenham carácter regular ou não.
Ou seja, ainda que se possa concluir que estamos perante uma bolsa ou lista de peritos destinada a auxiliar a administração da Justiça, e que está em causa no exercício desta atividade um interesse público que se pretende acautelar[1], não poderá um dirigente integrar tal lista, porque dessa forma ficaria disponível para ser chamado, sempre que necessário, a desenvolver outra atividade profissional, pondo em causa a especial condição de exclusividade imposta pelo exercício do cargo.
Por outro lado, não configura um caso de exceção, por aplicação da salvaguarda prevista na última parte do n.º 2 do artigo 16.º do EPD:
Só podem ser consideradas exceções ao regime de exclusividade, os casos elencados no n.º 2 do artigo 21.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada), que revogou a Lei n.º 12-A/2008 nesta matéria:
- A participação em comissões ou grupos de trabalho;
- A participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos;
- As atividades docentes ou de investigação de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e a educação e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho não se sobreponha em mais de um quarto ao horário inerente à função principal;
- A realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza.”
Não sendo este o caso, conclui-se pela impossibilidade de conciliação do exercício do cargo dirigente com o exercício de outras funções, sejam públicas ou privadas, por força da determinação legal que resulta da aplicação do EPD.
Até porque, face à informação adicional prestada, é de concluir que o pedido configura a manifestação do interesse do requerente em desenvolver outra atividade a par do exercício do cargo, para a qual se candidatou.
De facto, na página da Ordem dos Engenheiros sobre Peritos é divulgada informação sobre a lista ou bolsa referida no presente pedido:
“São candidatos a receber pedidos de peritagem, sempre que a Ordem dos Engenheiros recebe pedidos externos (ex.: tribunais), de acordo com as suas áreas de competência e de experiência.”
Os pré-requisitos de candidatura, avaliação da candidatura, bem como as condições do exercício da atividade de perito, constam do “Regulamento para Engenheiros Peritos”[2].
De acordo com o mesmo, conclui-se que o Tribunal, ou outra entidade, pública ou privada, poderão solicitar um perito à Ordem, sendo esta que o nomeia para receber um pedido de peritagem, de acordo com a sua experiência e áreas de especialização.
IV - Em conclusão:
Com fundamento no exposto, não obstante o trabalho de peritagem em auxílio dos Tribunais revestir interesse público, considera-se que esta atividade profissional não poderá ser autorizada ao requerente, titular de cargo dirigente, por força do regime de exclusividade especialmente consagrado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do Estatuto Pessoal Dirigente, que só permite as exceções previstas no n.º 2 do artigo 21.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
- Não podendo ser considerada uma atividade privada, enquanto apta à satisfação de interesses privados, cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17-06-2016; Processo: 01287/11.9BEPRT.
[2] Poderá ser consultado em: oers_peritos_regulamento_20230510.pdf (ordemengenheiros.pt).