Parecer sobre esclarecimento sobre taxas/preço
Deu entrada nesta CCDR Algarve, email datado de 20.06.2023, da Junta de Freguesia de …, que mereceu o registo n.º E04440-202306-AUT, sobre o assunto em epígrafe em que é colocada a seguinte questão: “…sobre se a Junta de Freguesia, tendo nas suas competências o Mercado Municipal e havendo muitas dúvidas em relação às lojas ou bancas, se poderá cobrar como uma taxa? Apesar da consultoria nos informar que é um preço.”
Vejamos:
I
Por contrato interadministrativo de delegação de competências, outorgado entre o Município de … e a Freguesia de …, em 18 de junho de 2014, foi delegada na Junta de Freguesia de … a competência para a gestão, conservação, reparação e limpeza do Mercado Municipal de ….
Trata-se de um equipamento público, que se destina à venda a retalho direta ao público consumidor, de produtos alimentares simples, como hortaliças, legumes, frutos, peixe, carne, flores e outros que por tradição são regularmente transacionados nos mercados.
O seu regime de funcionamento, está enquadrado pelo Regulamento do Mercado Municipal e pelas duas subsequentes alterações, adiante designado por Regulamento.
De acordo com este Regulamento as contrapartidas financeiras rececionadas pela Junta de Freguesia devidas pelos títulos de ocupação das lojas e lugares com bancas e lugares sem bancas, tanto são tratadas como taxas[1], como referidas a retribuição mensal[2].
A Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, no seu artigo 24.º, sob a epígrafe “Taxas das freguesias”, determina o seguinte:
“1 – As freguesias podem criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais.
2 – A criação de taxas pelas freguesias está subordinada aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade das freguesias.” - sublinhado nosso.
As taxas no nosso ordenamento jurídico-constitucional são caracterizadas como sendo um tributo sinalagmático ou bilateral, que deve poder prosseguir finalidades fiscais ou extrafiscais, e compreende três tipos de situações como está consagrado no art.º 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) aprovada pelo Decreto-lei n.º 398/98 de 17.12, na sua redação atual:
1. A contrapartida pela utilização de serviços públicos;
2. A contrapartida pela utilização de um bem público ou semipúblico ou de um bem do domínio público;
3. A contrapartida pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma atividade por parte dos particulares.
Esta ideia de contrapartida exige que o bem utilizado ou serviço prestado seja individualizável – daí que as taxas sejam normalmente cobradas sobre bens e serviços públicos –, e o controlo constitucional da sinalagmaticidade implica, por um lado, que o bem, serviço ou remoção do obstáculo seja presente e não futuro; e, por outro, que o tributo não ultrapasse a cobertura de custos (princípio da proporcionalidade concretizado na cobertura de custos): o quantum que se paga nunca pode ser superior ao benefício que se recebe. Se o montante do tributo exceder a cobertura dos custos, o montante em excesso é um imposto oculto.
II
Relativamente à questão que a entidade consulente pretende ver esclarecida, tendo em conta o que vimos referindo dir-se-á em síntese o seguinte:
1 – O Mercado Municipal de … é um equipamento público gerido pela Junta de Freguesia de …;
2 – No âmbito da sua gestão, compete à Junta de Freguesia assegurar a sua segurança, vigilância, conservação, fiscalização, reparação e limpeza;
3 – A concessão de autorização para a ocupação dos espaços de venda a retalho mediante o pagamento de uma retribuição mensal (vide n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento) configura o tipo de contrato de arrendamento[3];
4 – A prestação por parte da Junta de Freguesia de serviços de gestão referidos em 2, configura o tipo de contrato de prestação de serviços[4];
5 – Assim, este regime de concessão a ser reconduzido a estes dois tipos de contrato, poder-se-á considerar híbrido, com a particularidade de como já referido, se tratar de um equipamento público.
Assim e neste particular, importa ter presente que as freguesias para além de disporem de atribuições nos domínios dos equipamentos urbanos e rurais, no âmbito da exploração dos mercados municipais encontram-se sujeitas ao Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015 de 16.01 na sua versão atual, nomeadamente às disposições constantes dos artigos 67.º a 73.º que concretamente dispõem:
“Artigo 67.º
Instalação de mercados municipais
1 - A instalação dos mercados municipais está sujeita aos controlos constantes do RJACSR aplicáveis aos estabelecimentos de comércio por grosso e de armazéns de géneros alimentícios de origem animal que exijam condições de temperatura controlada, aos estabelecimentos de comércio, por grosso e a retalho, e armazéns de alimentos para animais e à exploração dos demais estabelecimentos de comércio e de armazéns de produtos alimentares, na medida em que incluam espaços que integrem as respetivas definições, nos termos do RJACSR.
2 - Para efeitos do presente decreto-lei entende-se por «Mercado municipal» o recinto fechado e coberto, explorado pela câmara municipal ou junta de freguesia, especificamente destinado à venda a retalho de produtos alimentares, organizado por lugares de venda independentes, dotado de zonas e serviços comuns e possuindo uma unidade de gestão comum.
3 - Os mercados municipais desempenham funções de abastecimento das populações e de escoamento da pequena produção agrícola através da realização de atividades de comércio a retalho de produtos alimentares, predominantemente os mais perecíveis e de produtos não alimentares, podendo ser realizadas atividades complementares de prestação de serviços.
Artigo 68.º
Organização dos mercados municipais
Os mercados municipais são organizados em lugares de venda independentes, os quais podem assumir as seguintes formas:
a) Lojas, que são locais de venda autónomos, que dispõem de uma área própria para exposição e comercialização dos produtos, bem como para a permanência dos compradores;
b) Bancas, que são locais de venda situados no interior dos mercados municipais, constituídos por uma bancada fixa ao solo, sem área privativa para permanência dos compradores;
c) Lugares de Terrado, que são locais de venda situados no interior dos edifícios municipais, demarcados no pavimento, sem uma estrutura própria para a exposição.
Artigo 69.º
Requisitos
Os mercados municipais devem preencher, nomeadamente os seguintes requisitos:
a) Encontrar-se devidamente delimitados, acautelando o livre acesso às residências e estabelecimentos envolventes;
b) Dispor de infraestruturas necessárias e adequadas ao funcionamento e à respetiva dimensão, nomeadamente instalações sanitárias, rede pública ou privada de água, rede elétrica e pavimentação do espaço adequadas;
c) Estar organizados por setores, de forma a haver perfeita delimitação entre os tipos de produtos comercializados, particularmente entre setores de produtos alimentares e não alimentares;
d) Dispor de espaços identificados e delimitados, com dimensões adequadas ao volume de vendas e natureza dos produtos;
e) Dispor de um sistema de recolha e remoção de resíduos sólidos;
f) Ter afixadas as regras de funcionamento;
g) Localizar-se na proximidade de parques ou zonas de estacionamento adequados à sua dimensão.
Artigo 70.º
Regulamento interno
1 - Os mercados municipais devem dispor de um regulamento interno aprovado pela assembleia municipal competente, sob proposta das câmaras municipais, no qual são estabelecidas as normas relativas à sua organização, funcionamento, disciplina, limpeza e segurança interior.
2 - Do regulamento interno devem constar, nomeadamente:
a) As condições de admissão dos operadores económicos que exercem a atividade de comércio a retalho ou de prestação de serviços e os critérios para a atribuição dos espaços de venda, os quais devem assegurar a não discriminação entre operadores económicos nacionais e provenientes de outros Estados-membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu;
b) As regras de utilização dos espaços de venda;
c) As normas de funcionamento, nomeadamente as que se referem a horário de funcionamento, condições de acesso, documentação exigida para a entrada e saída das mercadorias e sua comercialização, condições para as operações de carga e descarga, circulação e estacionamento;
d) As cauções ou outras formas de garantia exigidas aos titulares de espaços de venda;
e) Regras de utilização das partes comuns;
f) As taxas a pagar pelos utentes;
g) Os direitos e obrigações dos utentes;
h) As penalidades aplicáveis como consequência do incumprimento do regulamento interno.
3 - A aprovação do regulamento interno é precedida de audiência prévia das entidades representativas dos interesses em causa, nomeadamente de associações representativas do setor e dos consumidores, as quais dispõem de um prazo de 15 dias, a contar da data da receção da comunicação, para se pronunciarem.
4 - Os regulamentos internos são objeto de divulgação pública no sítio na Internet do município e no «Balcão do empreendedor».
Artigo 71.º
Gestão
Compete aos municípios, sem prejuízo de eventual delegação legal de competências nas freguesias, assegurar a gestão do mercado municipal e exercer os poderes de direção, administração e fiscalização, cabendo-lhe nomeadamente:
a) Fiscalizar as atividades exercidas no mercado e fazer cumprir o disposto no regulamento interno;
b) Exercer a inspeção higiossanitária no mercado municipal de modo a garantir a qualidade dos produtos, o adequado funcionamento dos lugares de venda, bem como das condições das instalações em geral;
c) Assegurar a gestão das zonas e serviços comuns, nomeadamente a conservação e limpeza dos espaços comuns do mercado municipal;
d) Zelar pela segurança e vigilância das instalações e equipamentos;
e) Coordenar e orientar a publicidade e promoção comercial do mercado municipal.
Artigo 72.º
Atribuição dos espaços de venda
À atribuição dos espaços no mercado municipal aplica-se o disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 80.º
Artigo 73.º
Obrigações dos operadores económicos
1 - No exercício do comércio os retalhistas devem obedecer à legislação específica aplicável aos produtos comercializados, designadamente a referida no artigo 56.º
2 - Os titulares dos espaços de venda devem manter os seus espaços e zonas comuns do mercado municipal limpos e em boas condições higiossanitárias, sendo proibido o depósito ou abandono de resíduos, qualquer que seja a sua natureza, em locais não determinados para o efeito.
3 - A violação do disposto no número anterior constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do RJCE.”
Note-se que a alínea f) do artigo 70.º faz textualmente referência às taxas a pagar pelos utentes.
O Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais aprovada pela Lei n.º 53-E/2006 de 29 de dezembro, no seu artigo 3.º sob a epígrafe “Taxas das autarquias locais” dispõe que: “ As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei.”
III
Em conclusão:
A ocupação de espaços de lojas, lugares com bancas e lugares sem bancas no Mercado Municipal ficam por via de regra sujeitas ao pagamento de taxas nos termos das disposições legais atrás referidas.
É o que se oferece sobre o solicitado.
[1] De acordo com a redação do n.º 4 do artigo 3.º que dispõe: “As autorizações de ocupação caducam por falta de pagamento das taxas correspondentes sempre que, instaurado processo executivo, este não seja no prazo de citação”.
[2] Determina o n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento que: “1- Pela ocupação, a Junta de Freguesia receberá uma retribuição mensal paga nos primeiros oito dias de cada mês.”
[3] Nos termos do artigo 1023.º do Código Civil Português “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”
[4] Nos termos do artigo 1154.º do Código Civil Português o “Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”