Parecer Jurídico: Pagamento de Trabalho Suplementar em dias de descanso
I - O pedido:
O Senhor Presidente da Câmara Municipal de …, através do Ofício ref.ª .../2023/8592, de 11 de abril de 2023, vem solicitar a “emissão de parecer jurídico relativamente à possibilidade de pagamento de trabalho suplementar (complementar e obrigatório) ou em dia de feriado a cargos dirigentes”.
II - Análise:
a) Isenção de horário de trabalho:
Os cargos dirigentes dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado são os previstos no artigo 2.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro (versão atualizada)[1].
De acordo com o artigo 13.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, o pessoal dirigente está isento de horário de trabalho, não lhe sendo, por isso, devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do período normal de trabalho.
Este Estatuto aplica-se ao pessoal dirigente das câmaras municipais, com as adaptações previstas na Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto (versão atualizada), conforme definido no seu artigo 2.º.
Nesta sequência, aos cargos dirigentes das câmaras municipais, previstos no artigo 4.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto (versão atualizada)[2], aplica-se o disposto no artigo 13.º do Estatuto de Pessoal Dirigente em matéria de isenção de horário de trabalho, e consequentemente, sendo trabalhadores abrangidos pela Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada), as condições da isenção de horário de trabalho, bem como os seus efeitos.
Vejamos quais:
Nos termos do n.º 1 do artigo 117.º da LGTFP, os trabalhadores titulares de cargos dirigentes e que chefiem equipas multidisciplinares gozam de isenção de horário de trabalho, nos termos dos respetivos estatutos.
A isenção compreende, por força do disposto no n.º 2 do artigo 118.º da LGTFP, a modalidade prevista na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, a isenção de horário no caso dos dirigentes implica, em qualquer circunstância, a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, nos termos dos estatutos do empregador público.
A não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, prevista na LGTFP, acompanha, deste modo, o sentido da norma consagrada no artigo 13.º do EPD: a prestação de trabalho fora do período normal de trabalho, além deste, não confere aos dirigentes o direito a um acréscimo remuneratório.
Por outro lado, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo 118.º da LGTFP, o regime de isenção de horário não dispensa a observância do dever geral de assiduidade, nem o cumprimento da duração semanal de trabalho legalmente estabelecida.
Consagra-se, ainda, no n.º 5 do artigo 118.º da LGTFP, que a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios-dias de descanso complementar, nem ao descanso diário de 11 horas consecutivas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos, exceto nos casos previstos no n.º 1 do artigo 117.º e no n.º 2 do artigo 123.º, ambos da LGTFP.
A exceção indicada diz respeito aos dirigentes e ao caso previsto no n.º 2 do artigo 123.º da LGTFP, referente ao período mínimo de descanso diário de 11 horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos, que poderá ser afastado quando seja necessária a prestação de trabalho suplementar por motivo de força maior ou por ser indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para o órgão ou serviço devidos a acidente ou a risco de acidente iminente.
Nestes termos, no que importa para a questão em análise, o regime de isenção não poderá ser invocado pelos titulares de cargos dirigentes para afastar a necessidade de prestar trabalho em dias de descanso ou em feriados.
Contudo, salvaguarda-se, de acordo com o n.º 6 do artigo 118.º da LGTFP, que deve ser observado um período de descanso que permita a recuperação do trabalhador entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.
Em suma, decorre do regime exposto:
O regime de isenção de horário de trabalho consagrado no EPD, em regra, implica a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, sendo que o trabalho prestado fora desse período não configura trabalho suplementar[3].
No entanto, este efeito, em conformidade com o artigo 13.º do EPD e de acordo com o n.º 2 do artigo 118.º da LGTFP, diz respeito ao tempo de trabalho, ao período normal de trabalho.
Em consequência, o trabalho prestado em dias de descanso não se compreende na noção de trabalho normal, porquanto a lei, LGTFP, distingue o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho:
b) Tempo de trabalho:
Nos termos do n.º 1 do artigo 102.º da LGTFP, considera-se tempo de trabalho o período durante o qual o trabalhador está a desempenhar atividade ou permanece adstrito à realização da prestação.
Ora, esse tempo é medido em número de horas por dia e por semana (sete horas por dia/trinta e cinco horas), que corresponde ao período normal de trabalho, conforme estabelecido no artigo 105.º da LGTFP.
A determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respetivos limites, bem como dos intervalos de descanso, de acordo com o n.º 1 do artigo 108.º da LGTFP, constitui o horário de trabalho[4].
E assim, no caso dos dirigentes, a isenção de horário é o modo de cumprir o tempo de trabalho, o período normal de trabalho.
Por sua vez, os dias de descanso e feriados não integram a noção de tempo de trabalho, ao contrário, dizem respeito aos tempos de não trabalho, cuja disciplina consta dos artigos 122.º a 125.º da LGTFP.
c) Tempo de não trabalho:
O descanso constitui um dos direitos fundamentais de quem trabalha, consagrando a lei o direito a um dia de descanso semanal obrigatório, acrescido de um dia de descanso semanal complementar, que devem coincidir com o domingo e o sábado[5], respetivamente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 124.º da LGTFP.
Relativamente aos feriados, são igualmente tempos de não trabalho, conforme resulta dos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 122.º da LGTFP, sendo aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas o regime de feriados estabelecido no Código do Trabalho (artigos 234.º a 236.º), devendo, ainda, ser observado o feriado municipal das localidades.
Nos dias considerados como feriado obrigatório, os serviços têm de encerrar ou suspender a laboração todas as atividades que não sejam permitidas aos domingos.
Neste quadro legal, conclui-se que a prestação de trabalho em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, determina a aplicação do regime de trabalho suplementar próprio, previsto no n.º 2 do artigo 162.º da LGTFP: confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 /prct. da remuneração por cada hora de trabalho efetuado, sujeito aos limites previstos na lei (alíneas c) e d) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 120.º da LGTFP).
O acréscimo remuneratório pode ser substituído por descanso compensatório por acordo entre empregador público e trabalhador, conforme se prevê no n.º 7 do artigo 162.º[6].
No caso de prestação de trabalho em dia de descanso obrigatório há lugar, ainda, à aplicação do n.º 4 do artigo 229.º do Código de Trabalho, isto é, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.
Sublinhando-se, porém, a condição estabelecida no n.º 5 do artigo 162.º da LGTFP: é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada.
E assim, a autorização prévia só é dispensada em situações de prestação de trabalho suplementar motivadas por força maior ou sempre que indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para os órgãos e serviços, desde que as mesmas sejam posteriormente justificadas pelo dirigente máximo do serviço, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo 162.º.
Em síntese, importa ter em conta que a prestação de trabalho suplementar em dias de descanso, obrigatório ou complementar, e em feriados, não dispensa o ato de autorização competente, assim como a existência de fundamentação sobre as condições excecionais e transitórias que fundamentam a sua realização[7].
III - Conclusão:
Com fundamento no exposto, em resposta à questão objeto de consulta, conclui-se que a prestação de trabalho por parte de titulares de cargos dirigentes em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada (só dispensada nos termos do n.º 6 do artigo 162.º da LGTFP), dá lugar ao pagamento do acréscimo remuneratório previsto no n.º 2 do artigo 162.º da LGTFP, sem prejuízo da aplicação dos demais efeitos, quanto ao descanso compensatório
[1] Os cargos dirigentes qualificam-se em cargos de direção superior (de 1.º grau, designadamente o cargo de diretor-geral e de 2.º grau, no caso de subdiretor-geral) e cargos de direção intermédia (de 1.º grau os de diretor de serviços e de 2.º grau os de chefe de divisão).
[2] Os cargos dirigentes das câmaras municipais são os seguintes: a) Diretor municipal, que corresponde a cargo de direção superior de 1.º grau; b) Diretor de departamento municipal, que corresponde a cargo de direção intermédia de 1.º grau; c) Chefe de divisão municipal, que corresponde a cargo de direção intermédia de 2.º grau. A estrutura orgânica pode prever a existência de cargos de direção intermédia de 3.º grau ou inferior.
[3] Neste sentido, o n.º 3 do artigo 226.º do Código do Trabalho: “Não se compreende na noção de trabalho suplementar: a) O prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho”.
[4]As matérias da duração e organização do tempo de trabalho são objeto de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, cf. al. d) do n.º 1 do artigo 355.º da LGTFP. Os acordos coletivos de trabalho celebrados entre o empregador publico e as associações representantes dos trabalhadores são depositados na Direção - Geral da Administração e do Emprego Público, DGAEP, disponíveis para consulta na respetiva página em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
[5] Os dias de descanso referidos no número anterior só podem deixar de coincidir com o domingo e o sábado, respetivamente, quando o trabalhador exerça funções em órgão ou serviço que encerre a sua atividade noutros dias da semana, cf. vem excecionado nos casos identificados no n.º 4 do artigo 124.º da LGTFP.
[6] Remetendo-se, nesta matéria, para os acordos coletivos de trabalho celebrados entre o empregador publico e as associações representantes dos trabalhadores, cf. nota anterior, n.º 4.
[7]Em cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 227.º do Código do Trabalho, aplicável por remissão do n. º 1 do artigo 120.º da LGTFP. A violação destas condições constitui contraordenação muito grave, cf. o n.º 4 do mesmo artigo.