Exumação – Trasladação de cadáver

A Câmara Municipal de …, através de ofício que deu entrada nestes serviços na data de 14-09-2021 e que ficou registado com o n.º E06751-202109, solicita a esta CCDR parecer jurídico relacionado com uma questão colocada por um particular junto desta entidade, relacionado com a trasladação de cadáver de um familiar – pai – para outro local no mesmo cemitério, sobre a administração daquela autarquia.

Juntamente ao ofício, enviou a consulente o requerimento n.º 13078 apresentado pelo particular e uma informação emitida em 06/05/2021 pela Divisão de Assessoria Jurídica e Contencioso da Câmara.

No requerimento o particular refere, que o seu pai faleceu no dia 07 de julho de 2020, tendo sido colocado numa gaveta no Cemitério Novo em …, sendo desejo familiar fazer a aquisição da gaveta. Essa aquisição não foi possível devido à larga procura que o cemitério tem, pelo que, através de leilão promovido pela autarquia consulente adquiriu um jazigo, que se encontra formalizado através do Alvará n.º 504 de 8 de janeiro, com a finalidade de efetuar a trasladação do defunto seu pai.

Requer, concretamente, o particular, a exumação e trasladação do defunto da gaveta concessionada no cemitério novo de …, paro o jazigo n.º 14 do bloco H, sito no mesmo cemitério, quando este se encontrar apetrechado e antes dos três anos, e antes da trasladação, pretende autorização da Câmara para efetuar nos prazos mais breves a colocação da tampa de preservação que o caixão trazia e que foi retirada permitindo assim a preservação do cadáver e o chumbo do caixão caso seja oportuno.

 

Em ordem ao exposto, cumpre analisar e informar:

I - Está em causa a exumação e trasladação de cadáver, cuja matéria é regulada pelo Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro[1], diploma que estabelece o Regime Jurídico da Remoção, Transporte, Inumação, Exumação, Trasladação e Cremação de Cadáveres, de cidadãos nacionais ou estrangeiros, bem como de alguns desses atos relativos a ossadas, cinzas, fetos mortos e peças anatómicas, e, ainda, da mudança de localização de um cemitério, diploma que obrigatoriamente deve servir de base legal à elaboração e aprovação dos Regulamentos dos Cemitérios Municipais.

Uma das preocupações descritas neste diploma e que nortearam a sua elaboração, foi a de libertar uma área tão sensível como esta de entraves burocráticos cuja razão de ser se mostrava completamente ultrapassada, deixando assim de considerar como atividade administrativa policial parte da matéria por ele regulada, designadamente a trasladação e a autorização para inumação em locais especiais ou reservados a pessoas de determinadas categorias, e, ao mesmo tempo, reforçando a competência das autoridades de saúde, dos ministros responsáveis pela administração do território, da saúde e do ambiente, e intensificando as competências das autarquias locais - municípios e freguesias - na qualidade de possuidoras e administradoras de cemitérios.

O diploma em causa, consagra também a possibilidade de os cadáveres serem inumados em locais de consumpção aeróbia e proíbe o recurso a caixões de chumbo, adotando exclusivamente a folha de zinco para a construção de caixões metálicos.[2]

Resulta do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, na sua redação atualizada, que compete às autarquias (municípios e freguesias), na qualidade de possuidoras e administradoras dos cemitérios, autorizar a exumação e trasladação (vide artigo 4.º n.ºs 2 e 3), bem como fiscalizar o cumprimento do diploma (vide artigo 28.º), incluindo a legalidade desses atos e procedimentos.

Estabelece designadamente o artigo 4.º, que,

“1 – (…)

2 - A exumação e a trasladação devem ser requeridas à entidade responsável pela administração do cemitério onde o cadáver ou as ossadas estiverem inumadas, em modelo constante do anexo i do presente decreto-lei.

 

3 - No caso previsto no número anterior, o deferimento do requerimento é da competência da entidade responsável pela administração do cemitério para o qual vão ser trasladados o cadáver ou as ossadas, mediante solicitação da entidade à qual o mesmo foi apresentado.

4-(…)”

Devemos, também, atender às seguintes definições previstas pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro:

  • Inumação: a colocação de cadáver em sepultura, jazigo ou local de consumpção aeróbia;
  • Exumação: a abertura de sepultura, local de consumpção aeróbia ou caixão de metal onde se encontra inumado o cadáver;
  • Trasladação: o transporte de cadáver inumado em jazigo ou de ossadas para local diferente daquele em que se encontram, a fim de serem de novo inumados, cremados ou colocados em ossário.

Ao abrigo do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, após a inumação é proibido (exumar) abrir qualquer sepultura ou local de consumpção aeróbia antes de decorridos três anos, salvo em cumprimento de mandado da autoridade judiciária. Se no momento da abertura não estiverem terminados os fenómenos de destruição da matéria orgânica, recobre-se de novo o cadáver, mantendo-o inumado por períodos sucessivos de dois anos até à mineralização do esqueleto.

Pelo que a exumação de cadáver só é legalmente possível “decorridos três anos da sua inumação ou em cumprimento de um mandato judicial” e se, no momento da abertura, não estiverem terminados os fenómenos de destruição da matéria orgânica, deve-se recobrir de novo o cadáver, mantendo-o inumado por períodos sucessivos de dois anos até à mineralização do esqueleto.

Sublinha-se que, caso a autarquia que administra o cemitério não esteja tecnicamente habilitada para aferir do estado do cadáver no momento da exumação, deve recorrer, para a realização dessa perícia, a uma autoridade de saúde, à luz da competência de fiscalização prevista na alínea c) do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro.

Assim, em cumprimento das competências materiais das Câmaras Municipais previstas pelo artigo 33.º da Lei 75/2013, concretamente na alínea k) Elaborar e submeter à aprovação da assembleia municipal os projetos de regulamentos externos do município, bem como aprovar regulamentos internos, e como resulta do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, que determina, que compete às autarquias (municípios e freguesias), na qualidade de possuidoras a administração dos seus cemitérios, foi elaborado o Regulamento dos Cemitérios Municipais (RCM) de …, aprovado em reunião de Câmara de 03 de julho de 2007, aprovado em reunião ordinária de Assembleia Municipal de 27 de setembro de 2007, publicado através do Edital n.º 349/2008, no DR 2.ª Série, n.º 69, de 8 de abril de 2008.

Sendo o regulamento em causa externo, cria direitos, deveres e sujeições para os particulares. A lei habilitante é fundamento do regulamento, devendo os regulamentos indicar expressamente as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão - artigo 136.º do CPA. Uma das mais importantes vertentes do princípio da legalidade é o chamado princípio da preferência ou prevalência de lei, segundo o qual nenhum regulamento administrativo pode contrariar a lei, antes devendo todos os regulamentos administrativos conformar-se, plena e absolutamente, com a lei habilitante, verificando-se que o RCM de … está conforme a Lei habilitante prevista pelo Decreto-Lei 411/98, de 30 de dezembro.

De acordo com o artigo 17.º do RCM de …, as sepulturas são classificadas como temporárias ou perpétuas. Considera temporárias, as sepulturas para inumação, ou seja, a colocação de cadáver em sepultura, jazigo ou local de consumpção aeróbia por três anos, findos os quais poder-se-á proceder à exumação, desde que se verifique que o corpo se encontra reduzido a ossada. Define como perpétuas, as sepulturas cuja utilização é concedida a título perpétuo, mediante requerimento dos interessados, para ocupação imediata, devendo estas localizar-se em talhões distintos dos destinados a sepulturas temporárias.

Nas sepulturas temporárias proíbe o enterramento de caixões de zinco e de madeiras densas, dificilmente deterioráveis ou nas quais tenham sido aplicadas tintas ou vernizes que demorem a sua destruição (Vide art.º 18 do RCM de …).

Pelo contrário, nas sepulturas permanentes é permitida a inumação em caixões de madeira e de zinco. Para efeitos da nova inumação poderá, se necessário, proceder-se à exumação das ossadas existentes decorrido o prazo legal de três anos. (Vide art.º 19 do RCM de …)

Nas sepulturas permanentes poderão efetuar-se vários enterramentos verificadas as seguintes condições:

  1. Na última inumação foram utilizados caixões apropriados para inumação temporária, após decorridos três anos;
  2. Na última inumação se utilizou caixões de zinco, sem dependência de prazo.

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 34.º do referido RCM de …, após inumação, é proibido abrir qualquer sepultura antes de decorrido o período legal de três anos, salvo no cumprimento de mandado da autoridade judiciária ou, tratando-se de sepulturas perpétuas, para se realizar o segundo dos enterramentos previstos no 3.º do artigo 19.º. Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo prescreve, que se no momento da exumação não estiverem terminados os fenómenos de destruição da matéria orgânica, recobre-se de novo o cadáver, mantendo o inumado por períodos sucessivos de dois anos até à mineralização do esqueleto.

Em suma, de acordo com a disposição legal prevista pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, transcrita para o regulamento dos cemitérios da Câmara Municipal de …, no seu artigo 34.º, a exumação - a “abertura de sepultura, local de consumpção aeróbia ou caixão de metal onde se encontra inumado o cadáver”, de acordo com a respetiva definição no artigo 2.º, alínea f), do referido Decreto-Lei, nomeadamente para a pretendida trasladação do cadáver para outro local do cemitério, apenas pode ocorrer passados três anos da inumação. Se, no entanto, passado esse período a matéria orgânica ainda não estiver decomposta, deve recobrir-se de novo o cadáver, o que significa que o mesmo não pode ser deslocado.

Antes de decorridos três anos sobre a data da inumação, só serão permitidas trasladações de restos mortais já inumados quando estes se encontrem em caixões de zinco, ou de chumbo, devidamente resguardados (relembrando que presentemente os caixões de chumbo já não são permitidos, pelo que a norma nesta parte serve somente para caixões de chumbo já existentes antes da entrada em vigor do presente diploma), de acordo com o previsto no artigo 37.º do RCM … e em cumprimento do determinado no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro.

Por fim, a abertura de sepultura ou local de consumpção aeróbia antes de decorridos três anos, salvo em cumprimento de mandado da autoridade judiciária, constitui uma contraordenação punível com coima de (euro) 500 a (euro) 7000 ou de (euro) 1000 a (euro) 15000, consoante o agente seja pessoa singular ou pessoa coletiva, de acordo com o artigo 25.º do referido Decreto-Lei 411/98.

II - Aqui chegados, não podemos deixar de constatar, que se trata de matéria jurídica de grande sensibilidade, tendo em conta entre outros, os valores de saúde pública que este regime jurídico visa acautelar, diploma que afeta todos os familiares que desejam assegurar aos seus entes queridos as condições que consideram dignas, quer em vida quer post mortem.

Na senda das ponderações contidas no recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 02-06-2021 (Processo 00007/21.4BEVIS), relativamente à Providência Cautelar – Inumação transladação, emanado relativamente à decisão proferida pelo TAF de Viseu, em 17 de abril de 2021, extrairemos algumas das considerações feitas pelo Tribunal na análise destas questões, que consideramos relevantes para explicar a situação ora em apreço, de difícil perceção e aceitação por parte de qualquer cidadão comum:

 “(…) A regulamentação jurídica dos cemitérios foi construída tendo em conta a natureza especialmente sensível que envolve não só o respeito das pessoas falecidas, o direito dos cidadãos a darem sepultura aos seus mortos em locais próprios, mas também tendo em conta especiais preocupações de saúde pública e de natureza ambiental que estão coenvolvidas.

São estas razões de saúde pública e de natureza ambiental que explicam que a exumação dos cadáveres ou restos mortais seja rodeado de especiais cautelas, e que leve a que se recuse a exumação e a trasladação a título meramente provisório (…).

(…) Como resulta da própria lei, após a data da inumação, seria necessário aguardar 3 anos para que pudesse ser autorizada a transladação A única exceção a esta regra seria uma autorização judicial (…).

 

III - Em conclusão:

- Perante o exposto, subscrevemos o preconizado pela consulente Câmara Municipal de …, ao concluir que é proibido a trasladação do cadáver em causa, da sepultura temporária, em caixão que não é de zinco, antes de decorrido o período de três anos, de acordo com o estabelecido no artigo 21.º do Regime Jurídico da Remoção, Transporte, Inumação, Trasladação e Cremação de Cadáveres aprovado pelo Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, na sua redação atual, artigo que determina que após a inumação é proibido abrir sepultura ou local de consumpção aeróbia antes de decorridos três anos, salvo em cumprimento de mandato da autoridade judiciária.

- Refira-se que, se no momento da abertura não estiverem terminados os fenómenos de destruição da matéria orgânica, recobre-se de novo o cadáver, mantendo-se inumado por períodos sucessivos de dois anos até à mineralização do esqueleto.

- Por fim, recomenda-se que, caso a Câmara Municipal de … não possua técnico habilitado para aferir do estado do cadáver no momento da exumação, deve recorrer, para a realização dessa perícia, a uma autoridade de saúde, à luz da competência de fiscalização prevista na alínea c) do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro.

Este é, salvo melhor entendimento o meu parecer, que submeto à consideração superior.

 

[1] Regime Jurídico da Remoção, transporte, Inumação, Trasladação e Cremação de Cadáveres, previsto pelo Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de dezembro, atualizado de acordo com: - Decreto-Lei n.º 5/2000, de 29 de janeiro - Decreto-Lei n.º 138/2000, de 13 de julho - Lei n.º 30/2006, de 11 de julho - Decreto-Lei n.º 109/2010, de 14 de outubro e Lei n.º 14/2016, de 9 de junho.

[2] Em respeito pelo que decorria do Decreto-Lei n.º 274/89, de 21 de agosto, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 24/2012, de 06 de fevereiro que consolida as prescrições mínimas em matéria de proteção dos trabalhadores contra os riscos para a segurança e a saúde devido à exposição a agentes químicos e relativo à proteção contra os riscos resultantes da exposição ao chumbo e seus compostos iónicos no local de trabalho.

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/021