Exercício de funções em regime de meio tempo: despesas de representação e subsídio de almoço
Deu entrada nesta CCDR Algarve, email datado de 22.10.2021 da Junta de Freguesia de …, e que mereceu o registo de entrada n.º E07688-202110-AUT, de 22.10.2021, sobre o assunto em epígrafe.
As questões concretas:
“1 – Questão 1 – Pela nossa interpretação as despesas de representação constituem suplementos remuneratórios atribuídos pela natural exigência das funções de representação dos eleitos, não se incluindo nem no conceito de retribuição, nem no conceito de subsidio. Desta forma, qualquer eleito a meio tempo teria o direito a ser retribuído em metade do valor?
Questão 2 – Com a entrada em vigor da Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, que altera os termos do exercício do mandato a meio tempo dos titulares das Juntas de Freguesia, este é considerado de permanência?
Questão 3 – Se o meio tempo for considerado de permanência, quais os direitos remuneratórios a que tem direito?
Questão 4 – Se não for quais são os direitos remuneratórios a que tem direito, tem direito ao subsídio de refeição?
Questão 5 – O outro vogal que se encontra a meio tempo, quais os direitos remuneratórios a que tem direito?
Questão 6 – Com entrada em vigor da Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, os regimes de meio tempo terão direito à ADSE?”
Vejamos:
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 235.º, consagra a existência de autarquias locais. O mesmo normativo reza que «As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». As autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia. A junta de freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia (Título VIII – Poder Local – artigos 236.º, 244.º e 246.º da Constituição).
O diploma que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias é a Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 5-A/2002, de 11 de janeiro, e 67/2007, de 31 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pelas Leis n.ºs 75/2013, de 12 de setembro, 7-A/2016, de 30 de março, e 71/2018, de 31 dezembro. A regulamentação do exercício das funções a tempo inteiro e a meio tempo dos titulares da junta de freguesia consta do artigo 27.º da referida lei.
A Lei n.º 69/2012, de 20 de outubro, procedeu à sétima alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de setembro.
Modifica, concretamente, o seu artigo 27.º, que regula o exercício de funções a tempo inteiro e a meio tempo. O intuito do autor da iniciativa desta lei refere pretender «aprofundar a descentralização e a subsidiariedade no exercício de competências pelas autarquias locais» e criar «condições para que todas as juntas de freguesia possam contar, pelo menos, com um membro eleito a meio tempo», objetivos consagrados no Programa do XXII Governo Constitucional.
Para o efeito, procedeu à alteração do n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, aí passando a constar que a presidência de freguesia pode ser exercida em regime de meio tempo, em todas as freguesias.
Elimina, dessa forma, os limites de número de eleitores e de área para o exercício do mandato em regime de meio tempo.
A revogação da alínea a) do número 3 do artigo 27.º da mesma Lei garante que o exercício do mandato a meio tempo é sempre remunerado, independentemente do número de eleitores e o aditamento do número 8 ao artigo 27.º estabelece os termos em que essa remuneração será realizada.
Esta lei é composta por quatro artigos: o primeiro identifica o seu objeto, o segundo altera o artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, o terceiro procede à revogação da alínea a) do n.º 3 do já mencionado artigo 27.º e o quarto artigo refere-se à sua entrada em vigor e produção de efeitos.
O n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto dos Eleitos Locais (Lei n.º 29/87, de 30 de junho) sob a epígrafe “Regime do desempenho de funções” determina o seguinte:
“1 - Desempenham as respectivas funções em regime de permanência os seguintes eleitos locais:
a) Presidentes das câmaras municipais;
b) Vereadores, em número e nas condições previstos na lei;
c) Membros das juntas de freguesia em regime de tempo inteiro.
…” – sublinhado nosso.
Desta estatuição decorre que o regime de permanência para os membros da junta de freguesia equivale à prestação de serviço em regime de tempo inteiro. Logo o regime de meio tempo não se confunde com o regime de permanência.
Questão 1.
1 - As despesas de representação destinam-se a “compensar os encargos extraordinários que resultem do exercício do cargo, tendo por isso o carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no cargo, ficou sujeito a despesas determinadas pelo exercício da função para ocorrer às quais a lei o atribui”[1].
Estas despesas só são devidas a quem exerça funções em regime de permanência, ou seja, em regime de tempo inteiro.
No que diz respeito ao conceito de despesas de representação, julga-se oportuno referir o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da república n.º 10/2011, publicado no D. R., II série, de 28.09.2011, que é elucidativo da natureza das mesmas.
“Considerou-se já ser tal abono um vencimento acessório destinado a compensar os encargos sociais extraordinários que resultam do normal e correspondente exercício do cargo - desde os atos de cortesia individual, passando pelas exigências de vestuário, os gastos, enfim, que a pessoa investida no cargo tem necessariamente de fazer por causa do seu desempenho - e que se não fosse isso poderia dispensar-se de efectuar, tendo por isso um carácter indemnizatório a que, como tal deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no desempenho do cargo, ficou sujeito às despesas determinadas pelo exercício da função para ocorrer às quais a lei o atribui … .
O suplemento para despesas de representação continua a assumir natureza indemnizatória e destina-se a compensar o funcionário ou agente do acréscimo de despesas determinado pelo exercício de funções inerentes aos respetivos cargos”.
Sobre a interpretação que a junta faz das despesas de representação ao considera-las suplementos remuneratórios dir-se-á o seguinte:
O artigo 159.º da LTFP sob a epígrafe “Condições de atribuição de suplementos remuneratórios” determina que: “1 - São suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.
2 - Os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.
3 - São devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores, em postos de trabalho determinados nos termos do n.º 1, sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes:
a) De forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho suplementar, noturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou
b) De forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direção.
4 - Os suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.
5 - Os suplementos remuneratórios devem ser fixados em montantes pecuniários e só excecionalmente podem ser fixados em percentagem da remuneração base mensal.
6 - Os suplementos remuneratórios são criados por lei, podendo ser regulamentados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
Parece, face a esta disposição legal, não restarem dúvidas, de que o legislador entendeu não enquadrar as despesas de representação nos suplementos remuneratórios pela sua própria natureza.
Assim, a resposta à primeira questão está prejudicada.
Questão 2.
Conforme já houve oportunidade de referir, a Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, apenas alterou o artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, nos moldes suprarreferidos, não alterando o conceito de permanência determinado pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Eleitos Locais (EEL) aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho, na sua atual redação, donde o eleito que desempenha o cargo a meio tempo não integra o conceito de permanência.
Questão 3.
A resposta a esta questão está prejudicada pela resposta à questão anterior.
Questão 4.
A nível remuneratório o presidente da junta de freguesia a meio tempo tem direito a metade do valor de cada escalão estabelecido nas alíneas do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril, na sua redação atual, conjugado com o art.º 8.º do EEL.
Relativamente ao subsídio de refeição, os eleitos locais, nos termos da alínea r) do n.º 1 do artigo 5.º do EEL, têm direito a “Subsídio de refeição, a abonar nos termos e quantitativos fixados para a Administração Pública”.
Ora, há direito a perceber o subsídio de refeição quando o eleito local preste trabalho efetivo igual ou superior a três hora e meia diárias nos termos da alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 57-B/84, de 20 de fevereiro, na redação dada pelo n.º 4 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio.
Questão 5.
Idem como a anterior, com a devida adaptação do valor da retribuição que, no caso do secretário ou tesoureiro, será no montante de 80/prt. da retribuição atribuída ao presidente da junta conforme o n.º 2 do artigo 7.º do EEL.
Questão 6.
A Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, não introduz, no que tange aos regimes de proteção social, qualquer alteração ao regime vigente anterior.
Nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 com o n.º 3 do artigo 5.º do EEL, os eleitos locais, quer em regime de permanência quer em regime de meio tempo, têm direito à segurança social, com a particularidade de, em regime de permanência, ser aplicável ao eleito local o regime geral da segurança social (art.º 13.º do EEL).
Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, na sua atual redação, podem ser inscritos na ADSE: “1 - São inscritos como beneficiários titulares da ADSE todos os trabalhadores com relação jurídica de emprego público a título definitivo, com exceção dos que hajam anteriormente renunciado à qualidade de beneficiário.
2 - São igualmente inscritos como beneficiários titulares da ADSE os trabalhadores com contrato individual de trabalho sem termo que exerçam funções em entidades de natureza jurídica pública, com exceção dos que hajam renunciado anteriormente à qualidade de beneficiário.”.
Mais determinado o artigo 12-A deste mesmo diploma que: ” 1 - Podem inscrever-se como beneficiários titulares da ADSE os trabalhadores com relação jurídica de emprego público a termo resolutivo e os trabalhadores com contrato individual de trabalho a termo resolutivo celebrado com entidades abrangidas pelo n.º 3 do artigo anterior, com exceção dos que hajam anteriormente renunciado à qualidade de beneficiário e desde que a causa de cessação de contratos anteriores se considere involuntária nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua redação atual”.
Daqui resulta que só os trabalhadores com relação jurídica de emprego público, quer com contrato de trabalho por tempo indeterminado ou a termo (certo ou resolutivo), se podem inscrever na ADSE.
Salvaguardadas é claro todas aquelas situações em que o eleito local, antes de o ser, já detinha a tal relação jurídica de emprego público e efetuava descontos para a ADSE e, entretanto, não haja renunciado à qualidade de beneficiário.
Assim, a qualidade de eleito local, por si só, não dá direito à inscrição na ADSE.
É o que sobre as questões suscitadas pela entidade consulente cumpre informar.
À consideração superior,
[1] Parecer da PGR n.º 40/98, publicado no D.R., n.º 90, II série, de 17.04.1999