Realização de despesa – Pagamento de reembolso aos fregueses inscritos na excursão sénior
Sobre o assunto em epígrafe deu entrada nesta CCDR Algarve um pedido de parecer jurídico subscrito pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia de … através de email que mereceu o registo de entrada nestes serviços E02064-202103 de 17 de março.
No âmbito do Turismo Sénior da Freguesia, e à semelhança de anos anteriores, a Junta de Freguesia de …, como entidade organizadora, promoveu uma excursão, dirigida ao seu público sénior, a realizar no ano de 2020, através de uma agência de viagens.
Com vista à realização da respetiva excursão, a Junta de Freguesia de …, cabimentou a receita nas opções do plano e orçamento do ano de 2020, aprovada pela Assembleia de Freguesia.
Questiona então o Sr. Presidente da Junta, sobre a conformidade legal de proceder ao reembolso aos fregueses, das quotas-partes desembolsadas por estes à agência de viagens para aquela excursão, que se não veio a realizar devido à pandemia de Covid 19.
Sobre a matéria em assunto é convocado o seguinte quadro normativo:
Decreto-Lei n.º 17/2020, de 23 de abril;
Decreto-Lei n.º 62-A/2020, de 3 de setembro;
Decreto-lei n.º 17/2018, de 8 de março;
Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro;
Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
I
Nota prévia
Desde logo, e atenta declaração pelo Presidente da República do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, tendo a declaração do estado de emergência sido renovada através do Decreto do Presidente n.º 17-A/2020, de 2 de abril, foi sentida pelo governo a necessidade de estabelecer medidas excecionais e temporárias relativas ao setor do turismo, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Neste sentido, e procurando encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade financeira dos operadores económicos por um lado, e os direitos dos consumidores por outro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 17/2020, de 23 de abril que estabelecendo medidas excecionais e temporárias relativas ao sector do turismo, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, veio regulamentar entre outras as viagens organizadas por agências de viagens e turismo.
Neste particular, o seu artigo 3.º sob a epígrafe “Viagens organizadas por agências de viagens e turismo” determinava o seguinte:
1 - As viagens organizadas por agências de viagens e turismo, cuja data de realização tenha lugar entre o período de 13 de março de 2020 a 30 de setembro de 2020, que não sejam efetuadas ou que sejam canceladas por facto imputável ao surto da pandemia da doença COVID-19, conferem, excecional e temporariamente, para efeitos do cumprimento do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 25.º e no n.º 4 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de março, o direito aos viajantes de optar:
a) Pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efetuado pelo viajante e válido até 31 de dezembro de 2021; ou
b) Pelo reagendamento da viagem até 31 de dezembro de 2021.
2 - O vale referido na alínea a) do número anterior:
a) É emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição;
b) Caso seja utilizado para a realização da mesma viagem, ainda que em data diferente, mantém-se o seguro que tiver sido contratado no momento da aquisição do serviço de viagem; e
c) Se não for utilizado até 31 de dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso a efetuar no prazo de 14 dias.
3 - Caso o reagendamento previsto na alínea b) do n.º 1 não seja efetuado até 31 de dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso, a efetuar no prazo de 14 dias.
4 - No caso das viagens de finalistas ou similares, previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, os viajantes podem optar por qualquer uma das modalidades previstas no n.º 1 do presente artigo, aplicando-se a estes o regime previsto nos números anteriores.
5 - O incumprimento imputável às agências de viagens e turismo do disposto nos números anteriores permite aos viajantes acionar o fundo de garantia de viagens e turismo, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de março.
6 - Até ao dia 30 de setembro de 2020, os viajantes que se encontrem em situação de desemprego podem pedir o reembolso da totalidade do valor despendido, a efetuar no prazo de 14 dias.
Ora, acontece que uma parte dos fregueses optou por serem reembolsados dos valores até então pagos e uma maioria anuiu à proposta da agência de viagens no sentido de adiarem a referida excursão para uma data posterior, logo que houvesse condições para a sua realização.
Desconhece-se se até ao momento houve ou não um reagendamento da excursão em apreço até 31 de dezembro de 2021, por parte da agência de viagens.
No entanto, o regime de exceção do artigo 3.º acima transcrito, veio a ser interrompido através da revogação expressa deste artigo a partir de 4 de setembro de 2020 conforme determinado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 62-A/2020, de 3 de setembro, sem prejuízo dos vales até então emitidos e das viagens até aí reagendadas.
Terminado então o regime de exceção, que direitos assistem agora aos consumidores/fregueses?
A resposta a esta questão terá de ser buscada no Decreto-Lei que introduziu na legislação portuguesa a Diretiva UE2015/2302 sobre viagens organizadas e os serviços de viagens conexos, estabelecendo regras para as agências de viagens e turismo – o Decreto-Lei n.º 17/2018 de 8 de março.
Nos termos conjugados dos n.ºs 4 e 5 do artigo 25º e n.º 4 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de março, a rescisão dos contratos quer por parte dos viajantes quer por parte das agências de viagens confere o direito ao reembolso integral dos pagamentos até então efetuados.
Dito isto, julga-se que pese embora a maioria dos excursionistas ter optado pelo adiamento (reagendamento) da referida excursão, estes podem a todo o tempo rescindir o contrato e serem reembolsados integralmente dos pagamentos efetuados e em última análise acionando o Fundo de garantia de viagens e turismo nos termos do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de março.
II
A QUESTÃO
Questiona a entidade consulente, se é legal o ressarcimento por parte da Junta de Freguesia das quotas-partes desembolsadas pelos fregueses para a excursão e se em caso afirmativo, for decidido pela Junta nesse sentido, pode o seu Presidente autorizar o pagamento dessas despesas?
Vejamos:
O Regime Jurídico das Autarquias Locais aprovado pela Lei 75/2013, de 12 de setembro, na sua versão atual, determina no seu artigo 2.º que constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente nos domínios referidos no n.º 2 do artigo 7.º e no n.º 2 do artigo 23.º.
Assim, e nos termos do n.º 2 do artigo 7.º, são atribuições da Freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente entre outros, nos domínios da cultura, tempos livres e desporto (alínea d), e ação social (alínea f).
São órgãos representativos da freguesia, a assembleia de freguesia como órgão deliberativo e a Junta de freguesia como órgão executivo.
Como órgão deliberativo, a assembleia de freguesia detém as competências de apreciação e fiscalização constantes do artigo 9.º, entre as quais se destacam com interesse para o assunto em epígrafe, a competência para aprovar sob proposta da junta de freguesia as opções do plano e a proposta de orçamento, bem como as suas revisões (alínea a) do n.º 1), para além de competência para se pronunciar sobre todos os assuntos que visem a prossecução das atribuições da freguesia, por sua iniciativa ou a após solicitação da junta de freguesia (vide alíneas j) e k) do n.º 2 do artigo referido).
Segundo vem referido no pedido de parecer, a assembleia de freguesia aprovou as opções do plano e a proposta de orçamento para 2020, onde estaria consignada a realização da excursão em apreço, desconhecendo-se se tal também ficou consignado para o presente ano.
Refira-se por outro lado, que é entre a agência de viagens e os fregueses que existe uma relação obrigacionista sinalagmática, sendo a junta terceira na relação. A sub-rogação da junta configura assim neste enquadramento a nosso ver uma liberalidade para com os fregueses excursionistas, sem que estes tivessem previamente rescindido os contratos e exigido os respetivos reembolsos.
De notar que a junta gere dinheiros públicos e o princípio da legalidade impõe que qualquer pagamento tenha subjacente uma relação direta contratual a que corresponda uma contraprestação efetiva ou norma regulamentar permissiva para aquele pagamento em concreto.
Neste sentido, julgamos que o reembolso por parte da junta dos montantes despendidos pelos excursionistas fregueses carece de cobertura legal.
É o que nos cumpre informar sobre o solicitado.