Licença de exploração de posto de abastecimento de combustíveis

Sobre o assunto em epígrafe, deu entrada nesta CCDR Algarve, com o registo E05550-202107-AUT de 26 de julho, um pedido de parecer subscrito pelo Sr. Presidente da Câmara de ….., atendendo aos argumentos esgrimidos quer pelo requerente quer pela Câmara através do seu consultor jurídico.

I

OS FACTOS

Por despacho camarário de 29 de abril de 1998 foi deferida a informação prévia relativa ao projeto de construção de um posto de abastecimento de combustíveis sito em Bias do Norte – Moncarapacho.

Pelo alvará n.º 665 datado de 17.11.2005 é concedida pela Direção Regional da Economia do Algarve (DRE) licença pelo prazo de 14 anos de armazenagem e tratamento industrial de petróleos brutos, seus derivados e resíduos para o posto de abastecimento de combustíveis acima referido com a capacidade total de 75.000 litros.

Na sequência da inspeção realizada em 03.02.2016, pela DRE, foram detetadas desconformidades e alterações quanto à exploração e funcionamento de equipamentos do posto de combustíveis, pelo que foi cancelada a licença de exploração/alvará de utilização n.º 665.

Realizadas as correspondentes ações corretivas, foi efetuada uma vistoria conjunta à instalação do posto de abastecimento no dia 09.08.2020, concluindo a mesma que os requisitos inspecionados cumpriam com as normas técnicas e os regulamentos aplicáveis, sendo a decisão final de vistoria aprovada, condicionada ao parecer do Serviço Nacional de Bombeiros no que diz respeito a distâncias de segurança de áreas sensíveis, caso existam e/ou onde aplicável, conforme descrito nos artigos 18.º e 19.º da Portaria n.º 362/2005, de 4 de abril.

O Serviço Nacional de Bombeiros atualmente designado Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), em 02.02.2021, deferiu o pedido constante do processo n.º 1027712.

Pela informação dos serviços jurídicos da Câmara Municipal de ….. (C.M.O), datada de 2020.01.14, sobre “Pedido de Emissão de Alvará de Exploração de Posto de Abastecimento de Combustível – Processo de Obras n.1/2007 – Requerente: Joaquim Dionísio Botinas Fernandes”, a mesma concluiu “…julga-se estarem ultrapassados os constrangimentos iniciais sendo que se encontram cumpridos os pressupostos que constam do art.º 14.º do D.L. 217/2012 relativamente à emissão de licença de exploração”

Esta mesma informação mereceu, em 17.01.2020, o seguinte despacho do Sr. Presidente da Câmara de …..: “Deferido de acordo com a informação dos serviços jurídicos” comunicado ao requerente a 23.01.2020 pelo ofício n.º 292 no qual informa que “…Vimos pelo presente informar V. Exas que foi deferida a sua pretensão devendo solicitar a Emissão de Licença de Exploração de Combustíveis e pagamento da taxa devida no valor de 300€ (trezentos euros)”.

Dos elementos remetidos a esta CCDR Algarve não consta que o ato de deferimento do Sr. Presidente tenha sido objeto de reforma ou conversão nos termos do n.º 2 do artigo 164.º do CPA, pelo que se mantem em vigor.

Porém, a pedido do Sr. Presidente da C.M.O., a 14 de junho de 2021, é subscrito parecer jurídico relativo ao processo 31/1998 no qual é tomada posição face a uma exposição do requerente.

Em síntese, neste parecer jurídico é alegado que:

1 - Na data da aprovação da operação urbanística da instalação do posto de combustível, não foi consultada a entidade regional da reserva agrícola nacional;

2 – O prazo para o município declarar a nulidade do seu ato (licenciamento) já caducou porquanto o prazo previsto no n.º 4 do artigo 69.º do RJUE é perentório – 10 anos -, de acordo com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2007 de 4 de setembro;

3 – Não se extrai deste normativo, conjugado com o n.º 2 do artigo 68.º do mesmo diploma a “…obrigação de legalizar a operação urbanística que enferma de nulidade pela preterição do parecer da ERRAN;

4 –Existe incumprimento da legislação em vigor à data do licenciamento originário pelo que o acolhimento do artigo 60.º do RJUE não se lhe aplica;

5 – “Contudo, atendendo às novas regras de classificação do solo previstas no Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto, a área em causa, por já se encontrar edificada e impermeabilizada poderá vir a ser retirada da Reserva Agrícola Nacional, no procedimento de revisão/alteração ao PDM, cuja proposta deverá ser entregue, por força da Lei, até março de 2022, situação que poderá vir a permitir a regularização da operação urbanística de forma a satisfazer a pretensão do requerente”.

II

Vejamos

Conforme já referido acima, pelo despacho do Presidente da C.M.O., de 29 de abril de 1998, foi deferida a informação prévia relativa ao projeto de construção de um posto de abastecimento de combustível sito em Bias do Norte – Moncarapacho.

Nos termos da legislação em vigor à data, o artigo 9.º do Decreto-lei n.º 196/89 de 14 de junho, determinava no seu n.º 1 que todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola sendo que os atos administrativos praticados em violação do disposto neste normativo são nulos conforme determinado no artigo 34.º do mesmo diploma.

Assim, a C.M.O. ao deferir o pedido de informação prévia sem o parecer prévio da então Comissão da Reserva Agrícola, praticou sem dúvida, um ato nulo.

Esta situação convoca-nos para o regime da nulidade no direito do urbanismo.

De facto, a grande diferença que existe entre o regime da nulidade geral constante da segunda parte do n.º 2 do artigo 162.º do CPA e a nulidade urbanística constante do n.º 4 do artigo 69.º do RJUE (preceito introduzido pela Lei n.º 60/2007 de 04 de setembro), radica na circunstância de, no primeiro caso, a nulidade poder ser invocável a todo o tempo, ao passo que, no segundo, a declaração de nulidade caducar no prazo de 10 anos.

Com efeito, a introdução do n.º 4 do artigo 69.º do RJUE, pela Lei n.º 60/2007, de 04 de setembro, já há muito vinha sendo reclamada pela doutrina em sede de invalidades urbanísticas pelo que este veio acolher um desvio face ao regime geral das nulidades administrativas, dando razão àqueles que pugnavam pela necessidade de mitigar o regime puro da nulidade ao dispor: “ A possibilidade de o órgão que emitiu o ato ou deliberação declarar a nulidade caduca no prazo de 10 anos, caducando também o direito de propor a ação prevista no n.º 1 se os factos que determinaram a nulidade não forem participados ao Ministério Público nesse prazo, exceto relativamente a monumentos nacionais e respetiva zona de proteção.

Por outro lado, em linha com esta formulação legal, o novo CPA, no seu artigo 162.º, n.º 3, vem prever a “possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.”

Este novo CPA veio proceder a importantes alterações em matéria de invalidades administrativas com impacto direto sobre o regime da nulidade dos atos administrativos. Por força da nova lei, passa assim a estar facilitada a atribuição de efeitos putativos produzidos por atos nulos, no que se afigura representar um claro triunfo dos princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica sobre o princípio da legalidade.

Aqui chegados, importa reter que o n.º 3 do artigo 162.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, o qual não é, segundo a jurisprudência pacífica e reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo, passível de sanação jurídica.

Como já advertia Marcelo Caetano, “não se trataria de sanar um ato nulo, o que seria impossível, mas sim atribuir certos efeitos ao tempo decorrido” (Manual, pág. 421), sendo certo, por outro lado, como referem Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, que “nem todo o ato nulo tem efeitos putativos” (CPA Anotado, 2ª ed., pág. 654).

Os denominados efeitos putativos, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que direta, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público (cfr. Ac. STA de 16.06.98 – Rec. n.º 43.415). Neste mesmo sentido se pronunciou o TCA Norte no processo 00841/09.3BEAVR consultável em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f3fd800b01….

Importa pois, pela sua potencial gravidade, aferir da suscitada nulidade contextualizada com a realidade, pois, mal se compreenderia que face à nulidade de licenciamento cujo projeto inicial foi apresentado e aprovado em 1998, se recorresse à forma mais gravosa da tutela da legalidade urbanística (vide art.º 102.º do RJUE) com eventual demolição do edificado, para, em momento ulterior vir a ser declarada a sua conformidade com o legalmente estabelecido, mercê de alterações urbanísticas entretanto decretadas e decorrentes da alteração ou revisão dos instrumentos de gestão territorial nomeadamente dos Planos, como aliás é admitido em 5 do parecer jurídico acima referido.

Note-se que, recentemente pelo Aviso n.º 15126/2021, publicado na 2.ª série do D.R. de 13 de agosto, foi dado início à “Alteração do PDM de ….. para delimitação da RAN – início do procedimento e abertura do período de participação pública”.

Importa, pois, assegurar o equilíbrio entre a realização do interesse público da restauração da legalidade e a estabilidade das situações jurídicas consolidadas, garantindo a confiança associada aos direitos dos particulares, mormente quando, como no caso em análise, não vem imputada qualquer má-fé ou intencionalidade quer à entidade licenciadora quer ao titular do edificado – sublinhado nosso.

Como é sabido a Reserva Agrícola Nacional (RAN) é uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial, que estabelece um conjunto de condicionamentos à utilização não agrícola do solo tendo em conta os vários tipos de terras e solos (art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 73/2009, na sua redação atual, que aprova o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional –RJRAN).

As áreas integradas na RAN podem ser objeto de reclassificação como solo urbano (n.º 2 do artigo 10.º do RJRAN) seguindo o procedimento do artigo 14.º do RJRAN.

As áreas da RAN são obrigatoriamente identificadas nas plantas de condicionantes dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, sendo que a sua delimitação ocorre no âmbito da elaboração, alteração ou revisão destes planos territoriais (art.º 13.º do RJRAN).

Na elaboração da proposta de delimitação da RAN a nível municipal deve ser ponderada a necessidade de exclusão de áreas com edificações legalmente licenciadas ou autorizadas, bem como das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, de atividades económicas, de equipamentos e de infraestruturas – n.º 3 do artigo 12.º do RJRAN.

O posto de abastecimento de combustíveis, sendo um equipamento de apoio à circulação rodoviária, pode, salvo melhor opinião, ser incluído na proposta de delimitação em curso com área a excluir da RAN, nos termos do referido normativo, tanto mais que tal área, há pelo menos 23 anos, se encontra impermeabilizada e, portanto, sem qualquer possibilidade de aproveitamento agrícola.

O Decreto-Lei n.º 217/2012, de 9 de outubro, que procedeu à alteração e republicação em anexo do Decreto-lei n.º 267/2002, de 26 de novembro – diploma que estabelece os procedimentos e define as competências para efeitos de licenciamento e fiscalização, entre outras, das instalações de abastecimento de combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo, designadas por postos de abastecimento de combustíveis - determina no n.º 1 do artigo 14.º o seguinte: “A licença de exploração é concedida após verificação da conformidade da instalação com o projeto aprovado e do cumprimento das condições que tenham sido fixadas, no prazo de 10 dias após a realização da vistoria final ou da realização das correções que lhe tenham sido impostas”.

E acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que: “Em casos justificados, pode ser concedido um prazo para a exploração a título provisório”.

Sem embargo de solução diversa, esta posição poderá, salvo melhor opinião, ser adotada ao caso concreto tendo em consideração o tramitado processualmente até ao momento.

É o que cumpre informar sobre o solicitado.

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/019