Pedido de pronúncia relativo ao parecer da Comandante da Polícia Municipal sobre o direito a abono para falhas dos agentes da Polícia Municipal

 

No seguimento do Parecer n.º 018/2021, desta CCDR, sobre o direito a abono para falhas dos agentes da polícia municipal, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de … vem solicitar nova pronúncia, com fundamento na Informação-Interna n.º 2659/2022, da Sra. Comandante da Polícia Municipal de ….

 

II - Análise:

 

De acordo com o entendimento transmitido à Câmara Municipal de …, através do Parecer n.º 018/2021, concluiu-se que as funções principais, legalmente expressas, dos agentes da polícia municipal, não se subsumem na previsão legal que reconhece o direito a abono para falhas.

 

Com a Informação-Interna n.º 2659/2022, da Sra. Comandante da Polícia Municipal de …, que fundamenta o presente pedido de pronúncia, são apresentados vários argumentos em oposição a este entendimento, a seguir identificados:

 

Por um lado, sendo uma carreira ainda não revista, é aplicável o Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro, e desta forma, ficaria afastada a aplicação dos requisitos determinados pela alteração do regime de atribuição do abono para falhas (operada pela Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro, a Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro e o Despacho n.º 15409/2009, de 30 de junho).

 

Por outro lado, mesmo que seja aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, alterado e revisto, defende-se que os agentes da polícia municipal têm direito ao abono para falhas, porque devem ser analisadas as funções e competências desta polícia em matéria de fiscalização das normas rodoviárias e ordenamento do trânsito, atividade que se considera “primordial”, descrevendo-se a propósito desta, um conjunto de situações que demonstram o (efetivo) manuseamento de valores monetários.

 

Em face dos argumentos expostos, torna-se necessário proceder à sua análise:

 

De facto, as carreiras não revistas[1] regem-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31 de dezembro de 2008, resultando a aplicação das normas relativas a alteração do posicionamento remuneratório, prémios de desempenho e as normas transitórias constantes do artigo 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, norma mantida em vigor pela alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, (que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), designadamente na sua subalínea i).

 

Porém, do normativo referido não é possível extrair que resulta a aplicação de todo e qualquer outro regime legal, anterior a 1 de janeiro de 2009, como seja o caso do regime jurídico que determina o direito ao abono para falhas no âmbito dos serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como aos serviços das autarquias.

Há que convocar, portanto, o regime específico que regula a atribuição deste suplemento, e de seguida, em face dos factos, a sua aplicação aos mesmos.

E mais uma vez, considera-se de remeter para o julgamento realizado pelo Tribunal Central Administrativo, conforme o Acórdão proferido no processo n.º 02456/15.8BEPRT7, de 16-02-2018, porque permite distinguir, quanto ao pedido formulado em cada caso:

 

a) - Regime jurídico aplicável até 31 de dezembro de 2008:

Estão aqui em causa os trabalhadores que iniciaram funções anteriormente a 31 de dezembro de 2008, e face aos quais importará verificar se o regime previsto no DL n° 247/87, de 17 de junho, lhes asseguraria o recebimento do almejado Abono.”

 

Neste caso, para a aplicação do direito aos factos, este regime não está em causa, uma vez que a Polícia Municipal de … foi criada por deliberação da Assembleia Municipal, de 7 de maio de 2018, e ratificada por resolução do Conselho de Ministros n.º 111/2018, de 31 de agosto.

 

E ainda assim, para os casos abrangidos pelo regime legal aplicável até 31 de dezembro de 2008, para que seja reconhecido o direito ao abono para falhas, com base no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho, esse direito não resulta do mero manuseamento ou guarda de dinheiros públicos, porque é exigível que esse manuseamento assuma um papel principal, prevalecente.

 

Ora, atenta a descrição da missão, a caracterização da respetiva carreira, os seus conteúdos funcionais, fixados por lei, elencados no Parecer n.º 018/2021, o que se impõe, para caracterizar as funções essenciais, é a aplicação da Lei-Quadro, a Lei da Polícia Municipal, aprovada pela Lei n.º 19/2004, de 20 de maio.

 

E assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Polícia Municipal é atribuição prioritária o exercício de funções de polícia administrativa: “é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos”, tendo por referência o elenco das funções e competências dos artigos 3.º e 4.º da mesma Lei.

 

Não constando, deste conjunto de atribuições - para além do exercício das competências de polícia administrativa, ainda com poderes de atuação no âmbito da segurança interna, em cooperação com as forças de segurança - qualquer norma que habilite a concluir que estamos perante a atividade “primordial” defendida.

 

Ao contrário, mesmo perante casos concretos, quando tenham que manusear e guardar dinheiro, “tal assumiria uma natureza totalmente secundária e lateral em face das características essenciais dessas funções”, conforme se observa no Acórdão acima identificado, incluindo para os factos ocorridos apos 1 de janeiro de 2009:

 

“b) — Regime jurídico aplicável após 1 de janeiro de 2009:

No que concerne à aplicabilidade do regime vigente a partir de 1 de janeiro de 2009, diga-se desde logo, e como resulta da sentença proferida em 1ª instância, que igualmente se não reconhece que por essa via os representados do Recorrente devessem auferir o controvertido Abono por Falhas, tanto mais que inultrapassável e incontornável o facto dos mesmos não manusearem dinheiro com atividade funcional predominante, ao que acresce a inexistência de despacho prévio a viabilizar tal abono, como resulta expresso do novo regime jurídico aplicável.

Efetivamente, da leitura conjugada do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11/09, e revisto pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), e do Despacho n.º 15409/2009, de 30/06, resulta que a atribuição do abono para falhas pressupõe cumulativamente que:

- O trabalhador seja titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico e ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança;

- Que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; e

- Que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal.

Já no âmbito das autarquias locais, que é o que aqui está em causa, o direito a auferir o aludido abono reconduz-se singelamente aos trabalhadores com a categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições acima referidas, bem como aqueles que sejam titulares da categoria de tesoureiro-chefe”.

 

Com efeito, o pedido de reconhecimento do direito ao seu abono, no âmbito das autarquias locais, tem sido analisado sob condição expressa[2]:

 

Depende da identificação dos trabalhadores (carreira/categoria) que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, assumindo o risco e a responsabilidade de tal tarefa, e consequentemente pelos valores.

 

E mais ainda, da ocupação no mapa de pessoal do respetivo serviço, de posto de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança (caracterizado como tal), que envolva, por isso, em termos principais, a responsabilidade inerente a esse manuseamento.

 

Condição essa, que não se demonstra no caso dos agentes da polícia municipal, cuja missão primordial configura, em termos legais, uma missão específica, desenvolvida através de funções essenciais, de outra natureza, conforme já demonstrado.

 

Admitindo, como vem alegado, que estes possam ver-se na situação de terem, em casos concretos e determinados, de manusear e guardar dinheiro e outros valores, não é possível, com base no próprio regime do exercício das funções, tal como foi transmitido no Parecer n.º 018/2021, considerar a atividade de manuseamento de valores monetários como funções principais de polícia.

 

III – Conclusão:

 

Com fundamento no exposto, considerando que as polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na Lei, reitera-se o entendimento já transmitido, de que as funções primaciais, legalmente expressas, dos agentes da polícia municipal, dada a natureza prioritária e prevalecente dessas funções, não se subsumem na previsão legal que reconhece o direito a abono para falhas.

 

[1] Constam de mapa anexo ao Decreto-Lei nº 121/2008, de 11 de julho; vd. publicação da DGAEP/Sistema Remuneratório /2022 - Carreiras e Categorias Especificas da Administração Local, pág. 67.

[2] A título exemplificativo, vd. Acórdãos do TCA Norte: de 21-05-2021, Proc.º 00517/19.3BECBR; de 08-02-2013, Proc.º 02018/10.6BEPRT; de 02-06-2021, Proc.º 00407/19.0BEVIS.

 

É o que sobre o assunto salvo melhor opinião cumpre informar.

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/010