FORMAÇÃO PROFISSIONAL – TRABALHO SUPLEMENTAR

Através de ofício registado em 01/07/2021, com o n.º E04933-202107-PRE, solicitou a Câmara Municipal de ….., a emissão de parecer jurídico relativamente a formação profissional – trabalho suplementar, colocando as seguintes questões, que para os devidos efeitos se transcrevem, e expondo o seguinte:

A alínea d), do n.º 3 do art.º 226.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro refere:

“3 – Não se compreende na noção de trabalho suplementar:

d) A formação profissional realizada fora do horário de trabalho que não exceda duas horas diárias.”

Um trabalhador frequentou uma formação profissional, online, a partir das 19h até às 23h, ou seja com a duração de 4 horas.

 

- Questão:

- Assiste-lhe o direito ao recebimento de trabalho suplementar?

- Em caso afirmativo qual o n.º de horas de trabalho suplementar tem o trabalhador direito a receber?

 

Para efeito de emissão de parecer juridico e de acordo com o n.º 2 da Portaria n.º 314/2010, de 14 de junho, remeteu a consulente o Email n.º 12767, de 09.07.2021, ao qual juntou as informações n.ºs 56 de 04/01/2021 e 1378 de 29/01/2021 de enquadramento da situação que diz respeito a Formação Profissional – Trabalho Suplementar, procedem à análise da situação em concreto e pese embora tenham sido elaboradas pela mesma Unidade Técnico-Jurídica da Câmara concluem de forma distinta, pelo que em ordem ao exposto cumpre analisar:

 

  1. Formação Profissional:

Compulsada a documentação remetida pela consulente, constata-se que está em causa a formação profissional dos trabalhadores da Administração Pública que, de acordo com o artigo 5.º da LGTFP, consta de diploma próprio: o Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro, que define o regime de formação profissional na Administração Pública.

 

O referido diploma legal visa atualizar, desenvolver e aperfeiçoar o regime da formação profissional na administração pública, criando condições para tornar mais efetivos o direito e o dever de formação profissional dos trabalhadores em funções públicas. O âmbito de aplicação do referido decreto-lei é o que se encontra definido no artigo 1.º da LGTFP.

 

O Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro, prevê no n.º 2 do artigo 2.º a sua adaptação à Administração Local, que se concretizou através do Decreto-Lei n.º 173/2019, de 13 de dezembro, sem prejuízo da aplicação integral do Decreto-Lei n.º 86-A/2016 à Administração Local.

 

O diploma em causa distingue a autoformação da formação promovida pelo empregador público a saber:

 

    1. Da autoformação:

A autoformação é definida como o acesso à formação profissional por iniciativa do trabalhador e que corresponda às atividades inerentes ao posto de trabalho ou que contribua para o aumento da respetiva qualificação, é financiada pelo formando, sem prejuízo do disposto em lei especial e quando realizada no período laboral, corresponde ao exercício efetivo de funções.

 

Sem prejuízo do disposto na LGTFP, o regime em causa dá direito ao trabalhador, enquanto formando, de frequentar ações de formação necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e profissional, bem como apresentar propostas para elaboração do plano de formação do órgão ou serviço a que pertence, utilizar, dentro do período laboral, o crédito de horas para a formação profissional, em regime de autoformação, nos termos do artigo 16.º.

 

O empregador público não pode impedir a frequência de ações de autoformação quando estas tenham lugar fora do período laboral. Se a autoformação for realizada durante o período laboral tem o trabalhador que solicitar pedido de autorização devidamente fundamentado, com indicação da data de início, do local de realização, natureza e programa, duração e, quando aplicável, a entidade formadora, dirigido ao dirigente máximo do órgão ou serviço.

 

A recusa por parte do empregador público do acesso a autoformação deve ser sempre fundamentada, sendo que, o pedido de autoformação apresentado por trabalhador que não tenha sido contemplado no plano de formação ou ações de formação do órgão ou serviço só pode ser indeferido com fundamento no prejuízo do normal funcionamento do serviço.

 

O crédito para a formação profissional da iniciativa do trabalhador é de 100 horas por ano civil, podendo, quando tal se justifique, em função da especial relevância para as atividades inerentes ao posto de trabalho, a apreciar pelo dirigente máximo do órgão ou serviço, ser ultrapassado até ao limite da carga horária prevista para a formação profissional que o trabalhador pretende realizar.

 

    1. Da formação promovida pelo empregador público:
      1. Dever do empregador público:

Constitui dever do empregador público, de acordo com o artigo 71.º da LGTFP, conjugado com o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro, contribuir para a elevação do nível de produtividade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional, incluindo a que seja obrigatória à manutenção ou renovação dos títulos profissionais exigidos por lei para o desempenho da respetiva atividade profissional, devendo proporcionar aos trabalhadores e aos dirigentes ações de formação profissional adequadas à sua qualificação e necessidades socio profissionais, a definir em legislação especial, bem como o acesso a formação profissional e criar as condições facilitadoras da transferência dos resultados da aprendizagem para o contexto do trabalho.

 

Para o efeito elaboram o plano de formação profissional, de acordo com o diagnóstico de necessidades efetuado, devendo atender preferencialmente às políticas de desenvolvimento de recursos humanos e de inovação e modernização administrativas, garantindo uma abordagem prospetiva da atividade formativa, atendendo igualmente às necessidades prioritárias dos trabalhadores face às exigências dos postos de trabalham que ocupam, aferidas de entre as áreas estratégicas definidas, e identificando as necessidades de formação decorrentes do processo de avaliação de desempenho.

 

O plano de formação profissional deve ser devidamente orçamentado, e insere-se no ciclo de gestão dos órgãos e serviços, fazendo parte integrante do plano de atividades. Para a sua elaboração é ouvida a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais. Os planos de formação devem tendencialmente assegurar a todos os trabalhadores uma ou mais ações de formação em cada três anos. Os diagnósticos de necessidades de formação profissional dos órgãos ou serviços são comunicados à entidade coordenadora no primeiro trimestre de cada ano, em formato eletrónico, através de modelo próprio a disponibilizar pelo INA no respetivo sítio institucional da Internet

 

Veja-se as alterações à LGTFP introduzidas pela Lei n.º 82/2019, de 2 de setembro, que veio estabelecer a obrigatoriedade dos empregadores públicos custearem as despesas com formação profissional obrigatória e de renovação dos títulos profissionais, exigidos por lei para o desempenho da atividade profissional dos trabalhadores, contribuindo para a elevação do nível de produtividade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhes formação profissional, incluindo a que seja obrigatória à manutenção ou renovação dos títulos profissionais obrigatórios para o desempenho das funções integradas no conteúdo funcional das respetivas carreiras, e reembolsando as despesas com formação obrigatória sempre que esta não seja diretamente assegurada pelo empregador público, bem como suportando os encargos com a obtenção do título habilitante, quando posterior à constituição da relação jurídica de emprego público e suceda por causa ou no interessa da mesma.

 

      1. Dever do trabalhador:

De acordo com o artigo 73.º da LGTFP, constitui dever do trabalhador frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser dispensado por motivo atendível, conjugado com o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29 de dezembro, que determina ser dever do trabalhador enquanto formando, cumprir as suas obrigações legais em matéria de formação, respeitando a duração e horários estabelecidos na formação, participando ativamente nas ações de formação, partilhar informação, os recursos didáticos e os métodos pedagógicos, no sentido de difundir conhecimentos e boas práticas em contexto de trabalho.

 

  1. Do Trabalho Suplementar:

O trabalho suplementar encontra-se previsto na LGTFP que determina a sua aplicabilidade aos trabalhadores com vínculo de emprego público, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 120.º e seguintes, a aplicação do regime do Código do Trabalho em matéria de trabalho suplementar, com respeito pelos limites previstos pelo artigo 120.º da LGTFP, que impõe os seguintes limites por trabalhador:

            a) 150 horas de trabalho por ano;

b) Duas horas por dia normal de trabalho;

c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;

d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.

 

Os limites previstos podem ser podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador:

  1. Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;
  1. Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência.

 

Posto isto, remetendo a LGTFP para o regime do código do trabalho, a matéria de trabalho suplementar, a sua noção encontra-se prevista no artigo 226.º. De acordo com a alínea d) do n.º 4, do referido artigo, a formação profissional apenas se considera trabalho suplementar quando realizado fora do horário de trabalho e se exceder duas horas, salvo se outro regime for convencionado.

 

Ora, se a formação for ministrada em horário pós-laboral, que exceda duas horas diárias, em dias de descanso semanal ou dias feriados, então ela deve ser remunerada como trabalho suplementar e de acordo com o previsto legalmente. Ou seja, a formação profissional que decorra até 2 horas diárias após o horário de trabalho deve ser paga em singelo, sendo que, para além dessas 2 horas diárias, tem o trabalhador/formando direito a receber acréscimos remuneratórios de acordo com o prescrito no artigo 162.º da LGTFP, que para os devidos efeitos se transcreve:

 

Artigo 162.º

Trabalho suplementar

 

1 - A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos:

a) 25 % da remuneração, na primeira hora ou fração desta;

b) 37,5 % da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.

2 - O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado.

3 - A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula prevista no artigo 155.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que N significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado no órgão ou serviço.

4 - Os montantes remuneratórios previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

5 - É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada.

6 - A autorização prévia prevista no número anterior é dispensada em situações de prestação de trabalho suplementar motivadas por força maior ou sempre que indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para os órgãos e serviços, desde que as mesmas sejam posteriormente justificadas pelo dirigente máximo do serviço.

7 - Por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório.

 

  1. Da situação em apreço:

Do que nos foi remetido pela entidade consulente, não conseguimos apurar que tipo de formação o trabalhador frequentou. Se autoformação, ou seja, por iniciativa do trabalhador, ou se foi por iniciativa da Câmara Municipal de …...

 

Se a formação que o trabalhador frequentou foi por sua iniciativa, tendo em conta que se presume que não foi durante o seu período laboral, porque decorreu das 19:00 às 23:00 horas, esta não corresponde a qualquer exercício efetivo de funções, não sendo considerado trabalho suplementar, não tendo o trabalhador direito a qualquer suplemento remuneratório.

Se pelo contrário, a formação em causa, foi promovida pelo empregador público e que o trabalhador tinha o dever de frequentar e da qual apenas poderia ser dispensado por motivo atendível, constituindo a sua frequência uma obrigação, de acordo com a alínea d) do n.º 4 do artigo 226.º do CT, então das 19:00 às 21:00 horas são consideradas horas singelas, remuneradas como trabalho normal, e das 21:00 às 23:00 horas deverão ser remuneradas como trabalho suplementar. Por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório.

 

Conclusão:

  1. Neste cotexto, faz-nos sentido a solução preconizada no parecer jurídico emitido pela Divisão de Suporte Técnico Administrativo do Município, n.º 56, datado de 04/01/2021, do qual nos foi remetida uma cópia.
  1. Não subscrevemos a solução interpretativa contida no parecer n.º 1378, datado de 29/01/2021, emitido pela mesma Divisão, do qual nos foi igualmente remetida uma cópia, tendo em conta o seguinte:

- Não é de se atender, no caso em concreto, ao previsto no artigo 227.º relativamente às condições de prestação de trabalho suplementar, visto não nos encontrarmos no campo da prestação efetiva de trabalho, mas sim na área da formação profissional, devendo sim ser distinguida a autoformação da formação promovida pelo empregador público, nos termos e na legislação conjugada, acima descrita.

- Por sua vez, a alínea d) do n.º 4 do artigo 226.º adequa-se precisamente para distinguir, dentro da noção de trabalho suplementar, o que se considera formação profissional realizada fora do horário de trabalho, que não exceda duas horas e que por isso fica excluída da noção de trabalho suplementar, da formação que ultrapasse essas duas horas e que passa a incluir-se na noção de trabalho suplementar, adquirindo o direito a acréscimos remuneratórios, sendo certo que não se extraindo da alínea d) do n.º 4 do artigo 226.º essa leitura, não teria a mesma qualquer aplicabilidade junto do CT.

- Por fim, deve salientar-se, que o plano de formação profissional deve ser devidamente orçamentado pela entidade pública e insere-se no ciclo de gestão dos órgãos e serviços, fazendo parte integrante do plano de atividades. Para a sua elaboração é ouvida a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais. Os planos de formação devem tendencialmente assegurar a todos os trabalhadores uma ou mais ações de formação em cada três anos. Os diagnósticos de necessidades de formação profissional dos órgãos ou serviços são comunicados à entidade coordenadora no primeiro trimestre de cada ano, em formato eletrónico, através de modelo próprio a disponibilizar pelo INA no respetivo sítio institucional da Internet.

 

Relativamente às questões colocadas:

 

- Se assiste o direito ao trabalhador do recebimento de trabalho suplementar?

- Em caso afirmativo qual o n.º de horas de trabalho suplementar tem o trabalhador direito a receber?

Quid Juris:

  • Tendo em conta a informação que nos foi fornecida, e do exposto, se o que o trabalhador frequentou foi por iniciativa do próprio, considerada autoformação, então não tem direito a receber qualquer suplemento remuneratório por não se enquadrar a autoformação em trabalho suplementar;
  • Se pelo contrario, a formação que o trabalhador frequentou foi promovida pelo empregador público, neste caso a consulente, com base no prescrito pela alínea d) do n.º 4 do artigo 226.º do CT, as primeiras duas horas de formação (das 19:00 às 21:00 horas) deverão ser remuneradas como trabalho normal e as duas horas posteriores (das 21:00 às 23:00 horas) deverão ser consideradas trabalho suplementar e pagas ao trabalhador de acordo com o estabelecido pelo artigo 162.º da LGTFP;
  • Salienta-se, que a remuneração devida ao trabalhador por trabalho suplementar, só pode ser substituida por descanso compensatório caso o trabalhador concorde.

Por fim, tratando-se de matéria de aplicação geral e uniforme, para além de se considerar remeter o parecer à Câmara Municipal de ….., propõe-se que as questões sejam colocadas na próxima Reunião de Coordenação Jurídica “DGAL/CCDRs”, para efeitos de emissão de Solução Interpretativa Uniforme (SIU).

 

4 – QUADRO NORMATIVO

Diplomas aplicáveis:

  • Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na versão atualizada pela Lei n.º 36/2020 de 13 de agosto;
  • Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na versão atualizada pela Lei n.º 18/2021, de 8 de abril;
  • Decreto-Lei n.º 173/2019, de 13 de dezembro.

À consideração superior,

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/014