Pedido de parecer - Greve de Assistentes Operacionais que realizam,1,2, 3 ou 4 horas de greve em cada dia

I - O pedido:

A Senhora Vice-presidente da Câmara Municipal de …, através do Oficio n.º 1991, de 10 de fevereiro de 2023, relativamente aos assistentes operacionais dos agrupamentos de escolas do Município de …, que realizaram 1, 2, 3 ou 4 horas de greve, em cada dia de janeiro, convocada pelo Sindicato S.T.O.P., vem solicitar “parecer jurídico sobre o procedimento a adotar no desconto, por motivo de greve, no vencimento dos trabalhadores, nomeadamente se o mesmo será contabilizado em dias ou em horas de trabalho”.

 

II - Análise:

  1. Sobre o direito à greve:

A greve constitui um direito dos trabalhadores com vínculo de emprego público, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2024, de 20 de junho (versão atualizada)[1].

Relativamente aos trabalhadores abrangidos pela LGTFP, o recurso o recurso à greve poderá ser decidido por associações sindicais, nos termos do artigo 395.º da LGTFP, que deverão dirigir ao empregador público, ao membro do Governo responsável pela área da Administração Pública e aos restantes membros do Governo competentes, por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um aviso prévio, com o prazo mínimo de cinco dias úteis ou, no caso de órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, de 10 dias úteis, de acordo com o n.º 1 do artigo 396.º da LGTFP.

O aviso prévio deve conter, ainda, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em órgão ou serviço que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos.

A adesão à greve tem os efeitos previstos no artigo 536.º do Código do Trabalho, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, m), da LGTFP:

 

Artigo 536.º

Efeitos da greve

1 - A greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade.

2 - Durante a greve, mantêm-se, além dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho, os direitos previstos em legislação de segurança social e as prestações devidas por acidente de trabalho ou doença.

3 - O período de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade e não prejudica os efeitos decorrentes desta.”

Nestes termos, a greve suspende o contrato de trabalho, o que significa que o trabalhador se encontra dispensado de todos os deveres relacionados com a pontualidade, assiduidade e subordinação, e por outro lado, o empregador está dispensado do dever de retribuição.

Consequentemente, a remuneração dos trabalhadores deve ser deduzida quanto ao valor correspondente ao período em que, estando prevista a realização da greve, não tenha estado presente no trabalho, por motivo da sua adesão à greve.

Por último, ainda em matéria de remuneração, no caso de se verificar a necessidade de fazer descontos em proporção do período relativo à adesão à greve, o valor a descontar é pelo valor hora, calculado através da fórmula prevista no artigo 155.º da LGTFP:

“1-O valor da hora normal de trabalho é calculado através da fórmula (Rb x 12) / (52 x N), em que Rb é a remuneração base mensal e N o número de horas da normal duração semanal do trabalho.

2-A fórmula referida no número anterior serve de base de cálculo da remuneração correspondente a qualquer outra fração de tempo de trabalho inferior ao período de trabalho diário.”

Neste quadro legal, o trabalhador poderá não exercer a sua atividade com fundamento no direito à greve, sem coação, prejuízo, ou qualquer outro ato de discriminação[2].

No entanto, para que esta proteção seja efetiva, é necessário que a greve seja decretada e executada de acordo com os procedimentos legais, sob pena de ser considerada ilícita.

 

  1. Ilicitude e seus efeitos:

Constituindo uma formalidade essencial no processo de greve, o aviso prévio destina-se a dar conhecimento da delimitação do âmbito da greve, identificando os setores abrangidos, bem como a data e hora do início da greve.

Ao contrário, na sua falta, ou divergência, uma greve que seja executada, prosseguida em condições diferentes, segundo com um plano diferente do anunciado, não poderá ser considerada lícita, e em consequência, faz incorrer os trabalhadores nas consequências da greve contrária à lei:

A ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada, de acordo com o n.º 1 do artigo 541.º do Código de Trabalho, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, m), da LGTFP.

A falta injustificada, além do desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade, constitui violação do dever de assiduidade, nos termos do artigo 256.º do Código do Trabalho, aplicável, com as devidas adaptações, por remissão do referido artigo 4.º, bem como do n.º 1 do artigo 122.º da LTFP.

Além da responsabilidade disciplinar, nos termos do n.º 2 do artigo 541.º do Código do Trabalho, a adesão a uma greve ilegítima incorre o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual[3].

Esta matéria assume particular relevo no caso em análise, considerando os moldes em que a greve convocada pelo Sindicato S.T.O.P. foi executada.

 

  1. A greve decretada pelo Sindicato S.T.O.P.:

Consultados os vários avisos prévios divulgados na página oficial deste Sindicato, em relação aos trabalhadores não docentes (e docentes) que exercem a sua atividade no setor da educação, constata-se que a greve foi convocada, “sob a forma de paralisação nacional a todos os serviços, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado[4].

De acordo com estes avisos prévios, a greve corresponderia ao tempo diário de trabalho (para assegurar tal funcionamento), porém, o que se verificou, de facto, por parte dos trabalhadores não docentes (e docentes), corresponde ao exercício da greve por horas, à sua escolha [5].

E deste modo, de acordo com os factos ocorridos, o que se conclui é que a forma como foi posta em prática a greve convocada por este Sindicato, tendo em consideração o aviso prévio, suscitou dúvidas, quer para o pessoal docente, quer para o pessoal não docente, tendo o sindicato em causa divulgado na sua página informação no sentido que estes trabalhadores, no exercício do seu direito à greve, não estavam vinculados a fazê-lo todos os dias, ou ao dia todo, podendo optar por apenas um período de trabalho determinado[6].

Por seu lado, entendeu o Ministério da Educação solicitar parecer ao Consultivo Procuradoria-Geral da República sobre a licitude desta execução, cujo resultado já apresentou, conforme consta do Comunicado divulgado na página oficial do Governo, de 15 de fevereiro de 2023:

Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a licitude da forma de execução das greves convocadas pelos sindicatos STOP e SIPE

O Ministério da Educação recebeu o parecer solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a licitude da forma de execução das greves convocadas pelos sindicatos STOP e SIPE.

De acordo com este parecer, há uma divergência entre os avisos prévios de greve enviados ao Ministério da Educação, que referiam que a greve corresponderia à jornada diária de trabalho, e a informação aos docentes, designada «FAQ GREVE 2022», publicada no sítio da internet do sindicato STOP, que afirma ser possível aos docentes decidirem a concreta duração do período em que aderem à greve, tornando-a, nesses casos, numa greve com características similares às da greve self-service.

O parecer é também claro quando refere que executar a greve nesses termos, e em detrimento dos avisos prévios, afeta a respetiva legalidade do exercício deste direito.

O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República será homologado, daí decorrendo que a execução da greve deverá respeitar os pré-avisos apresentados pelas organizações sindicais, em respeito pela legislação que enquadra o direito à greve, enquanto direito fundamental dos trabalhadores.”

Assim, tendo em conta o andamento que foi dado a esta questão e a natureza da entidade envolvida na sua apreciação, considera-se que é necessário conhecer a posição tomada por este Conselho Consultivo, de modo a concluir que estamos perante uma greve que se reveste de carácter ilícito, não quanto ao seu aviso prévio, mas quanto à forma posta em prática, e, dessa forma, quais as consequências para os trabalhadores (sejam docentes ou não docentes).

Entendendo-se que a greve decretada pelo Sindicato S.T.O.P. é ilícita, falta ainda conhecer a posição que foi tomada por este Conselho Consultivo quanto à apreciação que foi realizada sobre os factos, em particular, quanto às consequências para os trabalhadores aderentes, de modo a obter uma interpretação oficial nesta matéria.

Porém, para tal, no seguimento do Comunicado já divulgado, este parecer está pendente de homologação e das condições de eficácia, conforme previsto no artigo 50.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto (versão atualizada),

“Artigo 50.º
Homologação dos pareceres e sua eficácia

1 - Quando homologados pelas entidades que os tenham solicitado ou a cujo setor respeite o assunto apreciado, as conclusões dos pareceres do Conselho Consultivo sobre disposições de ordem genérica são publicados na 2.ª série do Diário da República para valerem como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer.

2 - Se o objeto de consulta interessar a duas ou mais áreas governativas que não estejam de acordo sobre a homologação do parecer, esta compete ao Primeiro-Ministro.”

E assim, só mediante a sua homologação e subsequente publicação em Diário da República será possível conhecer, na íntegra, as suas conclusões.

 

III – Em conclusão:

De acordo com o exposto, relativamente os dias de greve que são identificados no presente pedido, estamos perante uma greve sobre a qual, em detrimento dos avisos prévios, se colocou em causa o modo como foi executada;

Verificando-se que sobre esta matéria, a pedido do Ministério da Educação, foi emitido um Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que irá ser homologado, é de aguardar a sua publicação em Diário da República, de modo a aplicar uma interpretação oficial sobre a ilicitude dessa ação e quanto às consequências da greve para os trabalhadores aderentes.

[1] O direito à greve está consagrado na Constituição da República Portuguesa, sendo um dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigo 57.º).

[2] É nulo o ato que implique coação, prejuízo ou discriminação de trabalhador por motivo de adesão ou não a greve, nos termos do n.º 1 do artigo 540.º do Código do Trabalho.

[3] Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, caso se verifiquem os pressupostos deste instituto jurídico (dolo ou mera culpa), tal como para efeitos disciplinares, no domínio da culpa, poderá ser invocado o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve.

[4] No mês de janeiro de 2023 repetiram-se idênticos avisos prévios.

[5] Com características similares às da greve “self service”: “greve surpresa” a qual, como vimos foi legitimamente excluída pelo legislador ordinário das greves juridicamente reconhecidas e garantidas pela Constituição e pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ao exigir uma comunicação antecipada dos termos em que a greve vai ocorrer, cf. Parecer n.º 30/2018 da Procuradoria-Geral da República, publicado em DR, 2.ª série, n.º 27 de 07-02-2019.

[6] Estes esclarecimentos poderão ser consultados na página oficial deste Sindicato, em: DIREITO à Greve apenas a um período de trabalho (Docentes e Não-Docentes) | Sindicato S.TO.P. (sindicatostop.pt),

 

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/008