Utilização de Imagens e Direitos de Autor

I -OBJETO

A Câmara Municipal de …, através do Ofício n.º 1147, que mereceu o registo de entrada com a referência E00661-202101, de 24.01.2020, veio solicitar parecer jurídico sobre a possibilidade de o município utilizar imagens retiradas da Internet, face ao regime estatuído no Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos. Foi aduzido que o Gabinete de Comunicação e Relações Públicas que encetou a conceção, estrutura e imagem do site oficial, deu nota que tem recorrido a bancos de imagens gratuitos disponíveis na Internet para fazer face à necessidade de ilustrar os conteúdos do referido site, que as imagens são gratuitas, mas têm autor e não existem fins comerciais subjacentes a tal uso.

 

II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO E ANÁLISE

  1. Nos termos do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, que aprova o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (doravante CDADC), na sua redação atual, consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos desse Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores (vide n.º 1 do artigo 1.º);
  2. Postula a alínea h) do n.º 1 do artigo 2.º, que as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objetivo, compreendem nomeadamente, obras fotográficas ou produzidas por quaisquer processos análogos aos da fotografia;
  3. No que concerne ao conteúdo do direito de autor, prevê o n.º 1 do artigo 9.º que o mesmo abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais;
  4. O n.º 2 do citado artigo refere que, no exercício dos direitos de carácter patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente;
  5. E aduz-se no n.º 3 que, independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente, o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade;
  6. Dispõe o n.º 1 do artigo 164.º: “Para que a fotografia seja protegida é necessário que pela escolha do seu objeto ou pelas condições da sua execução possa considerar-se como criação artística pessoal do seu autor”;
  7. O n.º 2 vem excecionar o disposto na secção VIII do CDADC quanto a fotografias de escritos, de documentos, de papéis de negócios, de desenhos técnicos e de coisas semelhantes;
  8. No acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do Processo n.º 312/10.5TBVIS.C1[1], realça-se que:

· O facto constitutivo do direito de autor é a “criação da obra”, abrangendo direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal (não patrimonial), identificando-se o criador intelectual da obra fotográfica com o fotógrafo que originariamente captou a imagem;

· O artigo 164.º do CDADC não tutela o mérito ou valor artístico da fotografia, mas antes a natureza artística da respetiva criação, excluindo-se da proteção legal as fotografias que são a mera consequência de uma operação puramente mecânica e automática;

· A distinção entre fotografias “artísticas” e fotografias vulgares só casuisticamente pode ser feita, tendo em conta, designadamente, a escolha do objeto e as condições da sua execução, refletindo a marca intelectual e personalidade do autor.

  1. O autor de obra fotográfica tem o direito exclusivo de a reproduzir, difundir e pôr à venda com as restrições referentes à exposição, reprodução e venda de retratos e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra reproduzida, no que respeita às fotografias de obras de artes plásticas (cfr. n.º 1 do artigo 165.º);
  2. Se a fotografia for efetuada em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, presume-se que o direito previsto neste artigo pertence à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda (n.º 2 do mesmo artigo);
  3. Aquele que utilizar para fins comerciais a reprodução fotográfica deve pagar ao autor uma remuneração equitativa (n.º 3 do artigo 165.º);
  4. A contrario, a reprodução fotográfica para fins não comerciais não obriga ao pagamento estatuído naquela norma;
  5. O n.º 1 do artigo 167.º preceitua que os exemplares de obra fotográfica devem conter as seguintes indicações: 
  1. Nome do fotógrafo;
  2.  Em fotografia de obras de artes plásticas, o nome do autor da obra fotografada.
  1. Nos termos do n.º 2, só pode ser reprimida como abusiva a reprodução irregular das fotografias em que figurem as indicações referidas, não podendo o autor, na falta destas indicações, exigir as retribuições previstas no (presente) Código, salvo se o fotógrafo provar má-fé de quem fez a reprodução;
  2. No aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31 de janeiro de 2017, proferido no Processo 295/12.7YHLSB.L1-7[2], expande-se o seguinte:

Sendo em princípio atribuído o direito de autor sobre a obra ao criador intelectual (artigos 11.º e 27.º, n.º 1, do CDADC), é compreensível que a identificação do seu autor assuma particular relevância.

Há, porém, que ter presente que o autor pode identificar-se pelo nome próprio, completo ou abreviado, pelas suas iniciais, por um pseudónimo ou qualquer sinal convencional (artigo 28.º do CDADC). Pode, por exemplo, ser identificado apenas pela sua fotografia ou por um desenho. [Cfr. Oliveira Ascensão, Direito de Autor, pág. 108.]

Também o nome literário, artístico ou científico é um direito exclusivo do autor, que não pode ser utilizado por outrem, nem sequer com autorização deste (art.º 29.º, n.º 3, do CDADC).

  1. De acordo com o n.º 1 do artigo 67.º, o autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, direta ou indiretamente, nos limites da lei;
  2. Postula o n.º 1 do artigo 68.º que a exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos atualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser;
  3. E acrescenta-se na alínea j) do n.º 2 que assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, da obra por forma a torná-la acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;
  4. Com pertinência para a matéria sub judice importa chamar à colação a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia já emanada a propósito da publicação de fotografias em páginas de Internet;
  5. No âmbito de um processo judicial que correu trâmites na Alemanha, o Bundesgerichtshof pretendeu saber se o conceito de «comunicação ao público» abrange a publicação numa página da Internet de uma fotografia previamente publicada noutra página da Internet sem restrições que impeçam que seja descarregada e com a autorização do titular do direito de autor[3];
  6. Destarte, o acórdão no processo C-161/17[4], Land Nordrhein-Westfalen/Dirk Renckhoff, responde afirmativamente a esta questão;
  7. O conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a publicação numa página da Internet de uma fotografia previamente publicada, sem restrições que impeçam que seja descarregada e com a autorização do titular do direito de autor, noutra página da Internet;
  8. O Tribunal de Justiça começa por recordar que uma fotografia é suscetível de ser protegida por direito de autor, desde que (o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar) seja uma criação intelectual do autor que reflita a sua personalidade e se manifeste pelas suas escolhas livres e criativas durante a realização dessa fotografia;
  9. Subsequentemente, o Tribunal de Justiça declara que, sob reserva das exceções e limitações previstas de forma exaustiva na Diretiva, há que considerar que qualquer utilização de uma obra efetuada por um terceiro sem o consentimento prévio do autor lesa os direitos do autor dessa obra. Com efeito, a Diretiva visa instituir um elevado nível de proteção dos autores, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, designadamente, na sua comunicação ao público;
  10. No caso vertente, a publicação, numa página da Internet, de uma fotografia previamente publicada noutra página da Internet (tendo a fotografia sido previamente copiada, entre as duas publicações, para um servidor privado) deve ser qualificada de «colocação à disposição» e, por conseguinte, de «ato de comunicação». Com efeito, tal publicação dá aos visitantes da página da Internet em que foi feita (neste caso, na página da Internet da escola) a possibilidade de terem acesso à fotografia nessa mesma página;
  11. Além disso, a publicação de uma obra protegida pelo direito de autor numa página da Internet diferente daquela em que foi efetuada a comunicação inicial com a autorização do titular do direito de autor deve, em circunstâncias como as que estão em causa, ser qualificada de colocação à disposição dessa obra a um público novo. Com efeito, nessas circunstâncias, o público que foi tomado em consideração pelo titular do direito de autor quando autorizou a comunicação da sua obra na página da Internet em que foi inicialmente publicada é constituído apenas pelos utilizadores da referida página, e não 1) pelos utilizadores da página da Internet em que a obra foi depois publicada sem a autorização do referido titular, ou 2) por outros utilizadores;
  12. A este respeito, o Tribunal de Justiça salienta que essa publicação deve ser distinguida da colocação à disposição de obras protegidas através de uma hiperligação para outra página da Internet em que a comunicação inicial tenha sido efetuada. Com efeito, diferentemente das hiperligações que contribuem para o bom funcionamento da Internet, a publicação numa página da Internet sem a autorização do titular do direito de autor de uma obra previamente comunicada noutra página da Internet com o acordo do referido titular não contribui, na mesma medida, para esse objetivo;
  13. Por último, o Tribunal de Justiça sublinha que pouco importa que, como no caso vertente, o titular do direito de autor não tenha restringido as possibilidades de utilização da fotografia pelos internautas;
  14. Aduza-se, em jeito de conclusão, que o nosso quadro de análise, no caso vertente, reporta-se às condições de proteção de obra fotográfica, nos termos e para os efeitos do artigo 164.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

 

III - CONCLUSÕES

  1. Acompanham-se as conclusões vertidas na Informação n.º 10321/2019, no âmbito do Processo n.º 2019/100.20.001/4, oriundas do município de …, mormente:
  1. A utilização de imagens pelos serviços municipais deve ser precedida de verificação se as mesmas, ou o banco de imagens que as disponibilizam, fazem referência a algum tipo de licença e, em caso afirmativo, cumpram as restrições correspondentes;
  2. Na falta de indicação de licença, seja verificado se da obra consta a identificação do autor, devendo o mesmo autorizar o seu uso;
  3. Seja sempre feita menção à autoria das obras;
  1. Em situações não incluídas no ponto anterior, não existindo a menção a licença ou identificação do autor, é de aceitar como admissível o uso da obra, nos termos do n.º 2 do artigo 167.º do CDADC;
  2. Há, contudo, a considerar o disposto nos artigos 224.º e 195.º do CDADC, que se reportam ao enquadramento de tutela penal e ao crime de usurpação, que serão chamados à colação na medida em que esteja preenchido o ilícito penal, mormente no seu elemento objetivo e subjetivo e cujo escopo é distinto do supra mencionado;
  3. Em jeito de conclusão, sublinhe-se que o acima exposto é aplicável no quadro em que estejamos perante as condições de proteção de obra fotográfica, nos termos e para os efeitos do artigo 164.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

À consideração superior,

 

[1] Disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/c7a06446cc622720802578af005290af?OpenDocument

[2] Disponível em

https://dre.pt/web/guest/pesquisa-avancada/-/asearch/116292963/details/normal?emissor=Tribunal+da+Rela%C3%A7%C3%A3o+de+Lisboa&perPage=200&types=JURISPRUDENCIA&search=Pesquisar

[3] Disponível em

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=209114&mode=req&pageIndex=1&dir=&occ=first&part=1&text=&doclang=PT&cid=2007168

[4] Disponível em

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=204738&mode=req&pageIndex=1&dir=&occ=first&part=1&text=&doclang=PT&cid=2007168

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/005